segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Jean de Florette


 Numa época (anos 1980) em que adotar novos formatos narrativos para melhor adaptar obras literárias em toda sua extensão ainda era algo inédito, o diretor francês Claude Berri foi quase pioneiro ao tomar a decisão de dividir os dois fenomenais volumes concebidos pelo autor Marcel Pagnol em dois filmes de fato (cujo lançamento teve cerca de seis meses de intervalo entre um e outro), que não só abarcassem com serenidade e fluência todos os elementos dispostos nos dois livros, mas preservando também o arco duplo de ventos, fundamental à história, e que não existiria caso fosse tudo compilado num único filme –o que, aliás, aconteceu, em 1952, dirigido pelo próprio Marcel Pagnol, no filme “Manon Des Sources”.

Iniciativa similar, dentro do cinema comercial mundial, só houve mesmo com a minissérie “Pássaros Feridos” (que optou por construir no formato minissérie uma trama extensa que dificilmente funcionaria num longa-metragem mais restrito) e, poucos anos depois, com a “Trilogia De Volta Para O Futuro”, cujos capítulos 2 e 3 foram filmados simultaneamente e lançados com alguns meses de diferença, assim como a obra de Claude Berri.

Neste primeiro filme, somos apresentados à dupla de tio e sobrinho, Cesar Soubeyran, ou Papet (Yves Montand), e Ugolin (Daniel Auteuil), últimos remanescentes dos orgulhosos Souberyan, família rica, influente e tradicional de um diminuto vilarejo francês na região de Provença, em meados dos anos 1920.

Em regresso para casa após um período como soldado, Ugolin –cujo tio, Papet, o trata como um filho –traz, literalmente debaixo do braço, um plano para empreender: Mudas auspiciosas de cravos vermelhos, uma flor cujo cultivo pode levá-los à prosperar. Há, porém, um problema: Cravos necessitam de muita água para florescer; muito mais do que as áridas plantas de sua região naturalmente quente e seca, na qual a água é uma preciosidade.

Astutos e ardilosos, os dois Soubeyran iniciam seus planos para enriquecer, completamente indiferentes ao fato de que assim estão dando início à própria derrocada: Ao tentar negociar com o instável e rabugento proprietário de um terreno próximo (no qual Papet sabe haver uma preciosa nascente d’água), o diálogo migra para um briga física e, sem querer, Papet acaba matando o homem (!), O terreno acaba ficando como herança para o parente mais próximo do falecido, a irmã Florette, com quem, na juventude, o próprio Papet teve um envolvimento romântico do qual ele jamais se recuperou (e Florette, é importante lembrar, é uma personagem que, embora jamais apareça, tem peso fundamental à trama). Contudo, Florette, logo Papet e Ugolin descobrem, faleceu deixando o terreno, e a cobiçada nascente que ele contém, para o filho, um corcunda chamado Jean –e vivido com brilho e encanto sonhador por Gerard Depardieu.

Imediatamente, os Soubeyran põem um plano mesquinho e dissimulado em prática: Bloquearão a nascente do terreno de Jean para que ele nunca descubra a fonte de água, espalharão boatos entre os moradores do vilarejo (de que ele é um forasteiro e não o filho de alguém do lugar), e farão de tudo para que se desiluda com a árdua vida no campo para que, no devido tempo, ele vá se embora e venda o terreno à Ugolin.

A cereja no topo do bolo é que o próprio Ugolin apresenta-se como um amigo solícito e sempre presente para Jean, a fim de acompanhar seus infortúnios bem de perto (e garantir traiçoeiramente que eles aconteçam). É uma dinâmica que o empenho maiúsculo de seu elenco torna fascinante: Quando finalmente Jean de Florette chega à localidade, ele vem acompanhado da esposa Aimee (Élisabeth Guignot) e da filha, a pequena Manon (Ernestine Mazurow, nesta primeira parte).

A narrativa de Claude Berri é brilhante em contrapor, neste filme inicial, as dificuldades físicas, climáticas e existenciais (além das conspiratórias...) da vida de Jean e sua família na nova casa à sua fascinante persistência, uma vontade genuína de viver e sobreviver –é um propósito plenamente atingido, portanto, o de que Jean, a despeito de seu tempo de cena interrompido, ser assim um abalo sísmico na trama, onde é recordado até o fim.

Primeira metade de um poderoso conto sobre a importância salutar da água e sobre as consequências nocivas da mesquinharia, “Jean de Florette” em toda sua maestria se encerra num travo amargo, ciente de que só a metade da trama foi contada, mas, as coisas estavam prestes a ficar muito, muito melhores!

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