sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

48 Horas - Partes 1 e 2


 O cinema do diretor Walter Hill sempre primou por uma truculência que dificilmente encontraria espaço no cinema (mesmo o de ação) conciliatório e inclusivo dos dias de hoje. Herdeiro direto dos vislumbres nus e crus da natureza humana de Sam Peckinpah, o trabalho de Walter Hill era pautado por um entendimento intrínseco da violência, por código morais regidos mais pela ombridade do que pela Lei, e pela percepção de um cinema áspero, direto e sem firulas. Características essas que, somadas a um senso de observação e reflexão que, na maioria das vezes, funcionava como um brilhante diferencial, moldou algumas obras marcantes e notáveis nos anos 1980. Dentre elas, a duologia “48 Horas”.

A proposta inicial de “48 Horas”, em si, resumia aquela simplicidade, objetividade e divertimento em potencial que normalmente caracterizavam as premissas daquela década: A dinâmica, promissoramente empolgante, entre um tira casca-grossa e um malandro das ruas, unidos, como dupla, por forças maiores do destino. Em suma, um filme “de parceiros”.

O primeiro “48 Horas” inicia-se numa circunstância cheia de ironia –um campo aberto, banhado de sol –cenário completamente diferente do quadro urbano que predominará em todo restante de filme. Ali, junto de um grupo de detentos em trabalhos forçados, Walter Hill orquestrará uma fuga, não tão elaborada em termos de planejamento, mas cheia de alta voltagem e tiros para lá e para cá; o faroeste é um gênero que permeia muito das obras de Hill, mesmo as de cunho mais moderno e urbanizado.

O elemento a escapar é Albert Ganz (James Remar, de “Cotton Club”), bandidão que, logo descobriremos, é adepto de ignorar leis civis e atirar em qualquer um que lhe desagrade. Seu nêmesis é, inevitavelmente, um homem muito parecido com ele: Jack Cates, o policial igualmente sanguinário e impetuoso vivido por Nick Nolte, ator que, pela reunião instintiva e certeira de qualidades que refletem os personagens brutais de Walter Hill, acabou realizando outras obras junto dele.

Walter Hill –como aliás muitos diretores que abordaram esse tipo de conflito neste e em outros gêneros –não se preocupa muito em aprofundar a reflexão do quando o seu herói espelha assim tão perfeitamente seu vilão. Sua pressa é transformar este filme na caçada que ele será.

Sendo assim, entra em cena, o larápio Reggie Hammond, interpretado por Eddie Murphy em sua auspiciosa e bem aproveitada estréia cinematográfica. Reggie é articulado, manhoso, cheio de ginga e, por isso mesmo, pouco confiável –logo, portanto, a dualidade entre Cates e Ganz é deixada de lado pelo roteiro, em prol da dicotomia envolvente e curiosa entre o ranzinza e desconfiado detetive Cates e o ardiloso e sorridente Reggie; ainda mais interessante por não envolver o maniqueísmo da lei contra o crime, mas trazer aspectos mais ambíguos como de uma amizade surgida entre indivíduos de índole incompatível.

Durante os dois dias que Cates fornece a Reggie como prazo para ele usar de seus recursos e entrar em contato com Ganz, a fim de revelar seu paradeiro, Walter Hill conduz com profissionalismo e experiência este filme de investigação, quase como um passeio cheio de vertiginosas guinadas pelo submundo criminoso.



O que nos leva ao segundo filme que, no frigir dos ovos, resgata muitos elementos do primeiro filme, potencializando muito do que nele funcionou: A ação contínua magnificamente manuseada e calibrada pelo diretor Hill, o suspense construído com zelo a partir de realismo e verossimilhança (artigos que foram ficando cada vez mais raros no cinema de ação norte-americano) e a dupla bem ajustada e carismática, funcional em seu equilíbrio de humor e seriedade, composta por Nick Nolte e Eddie Murphy.

Após uma sequência inicial espetacular –um capotamento épico de um ônibus penitenciário –o vigarista Reggie Hammond consegue sobreviver à tentativa de assassinato de dois irmãos motoqueiros e assassinos (dois dos inúmeros vilões sensacionais que o filme enfileira). Eles o querem morto por uma razão bastante específica: Reggie é dos poucos capazes de identificar o misterioso chefe de uma quadrilha de traficantes conhecido como Iceman. Por isso mesmo, o policial Jack Cates, de Nick Nolte, também o quer sob sua asa; como no filme anterior, Reggie é quem poderá levá-lo a deixar-lhe cara a cara com seu alvo.

Tão eficiente quanto o primeiro filme –e talvez até mais divertido que ele, visto que aqui, Eddie Murphy notadamente ganhou mais liberdade e tempo de cena –“48 Horas Parte 2” é frenético, violento, truculento e delicioso de se acompanhar, especialmente por que o diretor Walter Hill, hábil que só, não apenas tira pleno proveito da dupla extremamente funcional e paradoxalmente complementar de parceiros entre o carrancudo Nick Nolte e o hilário falastrão Eddie Murphy, como também ele torna gradualmente mais intrigante a descoberta do tal Iceman, personagem sobre que se fala no roteiro inteiro, de ponta a ponta, mas que só veremos dar as caras no apoteótico desfecho.

Duas obras bastante exemplares da competência dinâmica e da execução acertada que se podia almejar durante a década de 1980 entre essa mescla um tanto desigual entre o mais austero filme policial e o mais gracioso entretenimento.

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