Nunca mais a representação da Morte foi tão icônica, tão precisa e tão aproveitada e reaproveitada quanto neste trabalho singular do mestre sueco Ingmar Bergman. Como todos aqueles raros clássicos maiores do que a vida, resenhar “O Sétimo Selo” é um trabalho desafiador –é constante a chance de cair na armadilha de enaltecer o tempo todo suas incalculáveis qualidades, de enfatizar a importância profunda que ele conquistou na cultura pop (algo tão mais notável quando lembramos tratar-se de um filme de arte sueco) e de averiguar as vastas ramificações imbuídas neste trabalho feito em estado de graça. Entretanto, talvez, a mais interessante observação a ser apontada sobre ele é que “O Sétimo Selo” difere, e muito, da grande totalidade da filmografia deste grande Bergman.
Quando se fala em Ingmar Bergman temos a
imediata lembrança de obras densas e dramáticas, voltadas para as profundezas de
uma angústia existencial, um vazio perene que acompanha a alma humana desde
seus relacionamentos afetivos, até a lida com Deus e com sua fé, passando pelas
considerações acerca da própria existência. É uma surpresa para muitos que vão
conferir “O Sétimo Selo” depois de toda a mitologia e do folclore que o precede
(e ao próprio Bergman) que ele não é nada disso. “O Sétimo Selo” é, sim,
ocasionalmente gracioso –adjetivo garantido pela presença quase protagonista de
uma família circense liderada por Nils Pope e pela bela Bibi Anderson que
aclimatam o filme com leveza –ágil em seus desdobramentos narrativos e na habilidade
com que se divide entre vários personagens e em sua estrutura episódica e,
embora as dúvidas teológicas impronunciáveis de Bergman movimentem muito da
narrativa (são, na verdade, sua razão de ser!), o diretor e roteirista não lhes
nega humor, humanismo e certa ironia.
O fio narrativo principal é, claro, o
personagem de Antonius Block que Max Von Sydow vivencia com a excelência que
empregou em tantas outras colaborações com Bergman. Antonius é um cavaleiro das
Cruzadas e, na travessia interminável e desolada de toda a Idade Média que
constitui seu mundo, ele se cruza, num momento inevitável, com a.Morte. Figura
soturna (de um contraste sombrio mesmo na monocromática fotografia em preto
& branco), a Morte é vestida da cabeça aos pés com um manto negro, seu
rosto branco (nas expressivas e apropriadas feições do ator Bengt Ekerot)
lembra uma caveira e empunha, em muitos momentos, uma foice –quando Woody Allen
referenciou esta marcante aparição em “A Última Noite de Boris Gruchenko”,
nunca mais essa ideia visual de Bergman deixou de ser usada (vide “O Último Grande Herói” ). Antonius, numa rara sensatez diante do fim, tem assim uma
ideia: Ele propõe um jogo de xadrez com a Morte, se ganhar, será poupado do
inevitável fim –algo que tem assolado e muito a humanidade naqueles últimos
tempos.
Dessa forma, com o jogo em prosseguimento,
Antonius e seus escudeiros peregrinam a Europa Medieval, defrontando-se com
situações fatalistas, assombrosas, frequentemente absurdas; o que leva o
cavaleiro a concluir que a Morte, deveras, se encontra em todo lugar, e está a
assombrar todos os seres humanos. E os únicos culpados são as próprias pessoas
e a mentalidade que as levou até ali; não somente a Inquisição é justaposta
como um agente indireto da Morte, na ideologia como opõe as pessoas umas contra
as outras, mas também (e principalmente) a Peste Negra, a consumir aldeias
inteiras, a ignorância, a levar todos a conclusões inacreditáveis e
segregacionistas, o fanatismo religioso, opondo algozes e vítimas e o egoísmo,
que faz com que esqueçam o pensamento coletivo e, em última instância,
altruísta, não pensando como comunidade, mas em salvar, cada qual, a própria
pele.
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