Parecia haver uma espécie de frustração em Steven Spielberg enquanto ele, na medida em que obtinha mais e mais sucesso em Hollywood como um dos grandes realizadores de fantasia do cinema, não conseguia obter a mesma aclamação e respeito como cineasta sério. O rótulo o incomodava.
Dessa iniciativa em não se deixar prender numa
tendência e num gênero (ao contrário do que ocorreu, por exemplo, com Alfred
Hitchcock), vinha a atitude de Spielberg em alternar trabalhos voltados para o
público infanto-juvenil e obras destinadas aos adultos, uma tática que, pode-se
dizer, ele mantém até hoje. Nesse sentido, uma das primeiras experiências de
Spielberg no campo da seriedade foi o filme “A Cor Púrpura”.
As lentes de Spielberg se voltam para a
dolorida trajetória de Celie (a sensacional Whoopy Goldberg, estreando no
cinema) que, ainda menina nova, foi violentada pelo pai e dele engravidou.
Separada do filho assim que deu a luz, bem como da irmã que adorava, ela foi em
seguida vendida a um fazendeiro viúvo (Danny Glover), de quem passou a cuidar
dos filhos e da casa, numa rotina nem um pouco melhor do que a de antes: Também
o marido era bruto, insensível e rude.
Durante toda essa extensa narrativa de “A Cor
Púrpura”, o cineasta de fantasia que Spielberg sempre foi parece querer
prevalecer e se manifestar, encontrando os mais inusitados e inesperados meios
para dar até mesmo um encanto lúdico à toda sorte de infortúnios que vemos
transcorrer na tela: Ele se vale da direção de fotografia de Allen Daviau para
conceber cenas de um deslumbre visual sem par, cujas inventivas técnicas por
vezes ameaçam tornar sua trama de dor, superação e humanismo subserviente às
próprias imagens. Fosse um outro realizador e o resultado final de “A Cor
Púrpura” certamente seria bem diferente; felizmente, seu enredo tem força,
empatia e relevância para se manter sólido na percepção do público, o que
ajuda a atravessar seu potencialmente prejudicial terço final –o momento em que
as pressões dramatúrgicas mais pressionam as escolhas da condução –e manter-se
na memória como um belo e comovente registro.
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