sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Bye Bye Brasil


 O encantador trabalho de Cacá Diegues é um comovente esforço para tentar levar às plateias brasileiras um Brasil normalmente incompreendido com suas características mais positivas e pitorescas enfatizadas. Há uma poesia que pulsa de cada detalhe, de cada cena, e que remete à influências bastante óbvias, sobretudo, Federico Fellini, também ele um apreciador inconteste do ambiente circense.

Acontece que mal dá pra se chamar de circo a precária Caravana Holidai –com “I” no final, e não “Y”! –um palco caindo aos pedaços acoplado a um caminhão que leva a cada cidade do sertão nordestino a trupe formada por Lorde Cigano (José Wilker, inspiradíssimo), Salomé (Betty Faria, no auge da beleza) e o homem forte Andorinha (Príncipe Nabor). A cada parada, o grupo se vale da lábia de Lorde Cigano, da formosura irresistível de Salomé e da mão-de-obra eficiente de Andorinha para levantar um dinheirinho com suas apresentações, o mínimo possível, que lhes permite continuar de cidade em cidade.

Vista de fora, é uma vida plena de liberdade –e talvez seja mesmo –desde que se faça vista grossa à escassez, aos apuros de beira de estrada, à carência de recursos. E é dessa forma, idealizada e romantizada, que o jovem Ciço (o cantor Fábio Júnior) enxerga isso: Ele pede a benção do pai, e parte estrada afora com a comitiva da Caravana Holidai, levando à tiracolo a esposa Dasdô (Zaira Zambelli), ainda grávida, e uma sanfona –o argumento que lhe comprou a entrada no grupo!

Lorde Cigano sonha que toda a precariedade que experimentam tem data de validade para acabar: Ele crê que, quando acharem o rumo para a cidade de Altamira, todos terão seus revezes compensados. Altamira surge, na dialética simbólica do filme, como um oásis, uma compensação aos apuros terrenos –é como Tar em “Fando & Liz”; como El Dorado em “Aguirre-A Cólera dos Deuses”; como a Cidade Esmeralda em “O Mágico de Oz” –um lugar de sonho e promessa, onde suas maravilhas ganham ainda mais cor e vivacidade à medida que a realidade ingrata leva os personagens a sonharem ainda mais com ela. Na esteira dessa busca insensata, Lorde Cigano perde a Caravana Holidai em uma aposta, o que leva Salomé –ao que tudo indica, não pela primeira vez... –a flertar com a prostituição a fim de carregar nos ombros a manutenção do grupo.

Conforme os personagens se defrontam com desilusões muito particulares –a chegada da TV naqueles confins do Brasil; o fantasma da pobreza a assombrar a tudo e a todos; os desencontros amorosos (Ciço se apaixona por Salomé que, por sua vez, o trata com terna indiferença, e até mesmo Dasdô tem um inesperado interlúdio com Lorde Cigano) –o filme de Diegues imerge no interior da Transamazônica, onde uma cultura de prostituição e bebedeira criou toda uma desolação terceiro-mundista que contamina a narrativa, tornando-a melancólica, desesperançada, cômica, exótica e reflexiva.

Na evocação desse cinema nacional apaixonante, inconfundível e genuíno, Cacá Diegues moldou o que provavelmente pode ser considerada sua obra-prima. Um trabalho sobre seres humanos no limiar de circunstâncias regionais e existenciais feito de amor incondicional que fascina mais a cada revisão.

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