O encantador trabalho de Cacá Diegues é um comovente esforço para tentar levar às plateias brasileiras um Brasil normalmente incompreendido com suas características mais positivas e pitorescas enfatizadas. Há uma poesia que pulsa de cada detalhe, de cada cena, e que remete à influências bastante óbvias, sobretudo, Federico Fellini, também ele um apreciador inconteste do ambiente circense.
Acontece que mal dá pra se chamar de circo a
precária Caravana Holidai –com “I” no final, e não “Y”! –um palco caindo aos
pedaços acoplado a um caminhão que leva a cada cidade do sertão nordestino a
trupe formada por Lorde Cigano (José Wilker, inspiradíssimo), Salomé (Betty
Faria, no auge da beleza) e o homem forte Andorinha (Príncipe Nabor). A cada
parada, o grupo se vale da lábia de Lorde Cigano, da formosura irresistível de
Salomé e da mão-de-obra eficiente de Andorinha para levantar um dinheirinho com
suas apresentações, o mínimo possível, que lhes permite continuar de cidade em
cidade.
Vista de fora, é uma vida plena de liberdade –e
talvez seja mesmo –desde que se faça vista grossa à escassez, aos apuros de
beira de estrada, à carência de recursos. E é dessa forma, idealizada e
romantizada, que o jovem Ciço (o cantor Fábio Júnior) enxerga isso: Ele pede a
benção do pai, e parte estrada afora com a comitiva da Caravana Holidai,
levando à tiracolo a esposa Dasdô (Zaira Zambelli), ainda grávida, e uma sanfona
–o argumento que lhe comprou a entrada no grupo!
Lorde Cigano sonha que toda a precariedade que
experimentam tem data de validade para acabar: Ele crê que, quando acharem o
rumo para a cidade de Altamira, todos terão seus revezes compensados. Altamira
surge, na dialética simbólica do filme, como um oásis, uma compensação aos
apuros terrenos –é como Tar em “Fando & Liz”; como El Dorado em “Aguirre-A
Cólera dos Deuses”; como a Cidade Esmeralda em “O Mágico de Oz” –um lugar de
sonho e promessa, onde suas maravilhas ganham ainda mais cor e vivacidade à
medida que a realidade ingrata leva os personagens a sonharem ainda mais com
ela. Na esteira dessa busca insensata, Lorde Cigano perde a Caravana Holidai em
uma aposta, o que leva Salomé –ao que tudo indica, não pela primeira vez... –a
flertar com a prostituição a fim de carregar nos ombros a manutenção do grupo.
Conforme os personagens se defrontam com
desilusões muito particulares –a chegada da TV naqueles confins do Brasil; o
fantasma da pobreza a assombrar a tudo e a todos; os desencontros amorosos
(Ciço se apaixona por Salomé que, por sua vez, o trata com terna indiferença, e
até mesmo Dasdô tem um inesperado interlúdio com Lorde Cigano) –o filme de
Diegues imerge no interior da Transamazônica, onde uma cultura de prostituição e
bebedeira criou toda uma desolação terceiro-mundista que contamina a narrativa,
tornando-a melancólica, desesperançada, cômica, exótica e reflexiva.
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