Em meados de 1986, Sylvester Stallone era um dos astros cotados para participar do projeto “Beverly Hills Cop” –“Um Tira da Pesada” que terminou estrelado por Eddie Murphy –e, como sempre foi habitual ao processo de trabalho de Stallone, ele acrescentava suas próprias ideias ao conceito, talvez para melhor adequar cada trabalho à sua personalidade como ator e, sobretudo, à sua persona como astro.
Não tendo dado certo a negociação com “Beverly
Hills Cop”, Stallone acabou aproveitando as ideias que teve neste “Stallone
Cobra” que novamente o reuniu ao diretor George P. Cosmatos que o tinha
dirigido no bem-sucedido “Rambo 2”.
Entretanto, as referências, as personalidades
dos envolvidos ou mesmo as origens desiguais do projeto não chegam a dar uma
ideia da peculiaridade de “Stallone Cobra” –trata-se de uma obra cuja história
passa completamente à parte do mundo real. Se Rambo era o exército de um homem
só que ganhava sozinho a Guerra do Vietnam, Marion Cobrette (esse é o nome do
personagem de Stallone!) é o policial sem obstáculos ou impedimentos que
promove uma limpeza indiscriminada na criminalidade.
“Você é uma doença, eu sou a cura” diz ele para um meliante logo
na cena que inicia o filme.
Agente da Lei numa metrópole suja, perniciosa e afundada em crime,
Cobrette, ou Cobra como prefere ser chamado, é um policial truculento, de
poucas palavras e de ações que, se nos anos 1980 de então, pareciam empolgantes
aos olhos de seu público, hoje soam absurdas de tão politicamente incorretas
–numa cena bastante sintomática do estilo brutucu do cinema de ação da época,
Cobra bate com seu porsche estiloso
na traseira do carro de um vizinho latino de seu apartamento. O homem,
indignado, tenta lhe tirar satisfações. E Cobra, bronco que só ele, lhe rasga a
camisa que usava. Na caracterização que recebe (de alguém petulante, desleixado
e marginal), o imigrante latino não precisa sequer ser o responsável pelo
delito (quem o fez foi o próprio herói!) para ser o saco de pancadas em cena.
A trama de “Stallone Cobra”, que segue adornada
por momentos dessa orientação, mostra Cobra seguindo as pistas do que parece
ser um serial-killer e, de novo, a
narrativa parece ir na contramão do usual e, por que não, do lógico –são, na
realidade, os colegas e parceiros de Cobra quem de fato fazem o trabalho árduo,
à ele cabe a pose, as frases feitas e os momentos de diversão, como distribuir
bordoada nos outros e arregaçar as mangas para agir. É quase o extremo a que se
pode chegar a mentalidade algo republicana do cinema da era Reagan: Um herói
completa e declaradamente despido de sutilezas, carregando em si o discurso da
ação em detrimento da reflexão. E os que são opostos à sua atitude são assim
tratados como empecilhos irritantes e coadjuvantes dignos de antipatia. Nas
últimas consequências a que essa postura é levada aqui –pois em “Rambo”,
digamos, isso foi tratado com bem mais requinte e convicção –o protagonista
concebido dentro desses paradigmas agrega uma involuntária aura cômica: Cobra
faz lembrar, a sua maneira, o Inspetor Clouseau da série “A Pantera Cor-de-Rosa” (!), um personagem insípido, vaidoso e iludido na sua inexistente
competência que, entre trapalhadas, arroubos e floreios acaba deixando o
trabalho de fato para os outros ao seu redor.
É o que acontece: Lá pelas tantas, o serial-killer em questão acaba ganhando
uma testemunha ocular para suas ações, a modelo fotográfica Ingrid (Brigitte
Nielsen, então casada com Stallone). Na estruturação previsível do roteiro,
Ingrid não é somente a peça irrisória que faz a narrativa avançar para algum
lugar; ela é, também, um interesse romântico do herói plantado da forma mais
desavergonhada possível! E nem mesmo nesse quesito o roteiro parece saber o que
fazer: No enredo que assim se constrói, não existem situações por meio das quais
Cobra e Ingrid criam um relacionamento. Ela é colocada num programa de proteção
às testemunhas, sob a proteção do pra lá de taciturno Cobra e, embora o enlace amoroso
lá pelas tantas aconteça por imposição do roteiro, mal trocam uma ou duas
palavras (!).
São convenções que só enrolam o filme até
chegar onde ele realmente quer: Eis que então descobrimos, num dado ponto, que
o serial-killer em questão
(interpretado por Brian Thompson) é, na realidade, o líder de uma ceita de serial-killers –e, com isso, Cobra,
nosso herói implacável, tal qual Rambo antes dele, ganha todo um exército para
poder dizimar sozinho no megalomaníaco e apoteótico desfecho!
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