segunda-feira, 21 de março de 2022

Stallone Cobra


 Em meados de 1986, Sylvester Stallone era um dos astros cotados para participar do projeto “Beverly Hills Cop” –“Um Tira da Pesada” que terminou estrelado por Eddie Murphy –e, como sempre foi habitual ao processo de trabalho de Stallone, ele acrescentava suas próprias ideias ao conceito, talvez para melhor adequar cada trabalho à sua personalidade como ator e, sobretudo, à sua persona como astro.

Não tendo dado certo a negociação com “Beverly Hills Cop”, Stallone acabou aproveitando as ideias que teve neste “Stallone Cobra” que novamente o reuniu ao diretor George P. Cosmatos que o tinha dirigido no bem-sucedido “Rambo 2”.

Entretanto, as referências, as personalidades dos envolvidos ou mesmo as origens desiguais do projeto não chegam a dar uma ideia da peculiaridade de “Stallone Cobra” –trata-se de uma obra cuja história passa completamente à parte do mundo real. Se Rambo era o exército de um homem só que ganhava sozinho a Guerra do Vietnam, Marion Cobrette (esse é o nome do personagem de Stallone!) é o policial sem obstáculos ou impedimentos que promove uma limpeza indiscriminada na criminalidade.

Você é uma doença, eu sou a cura” diz ele para um meliante logo na cena que inicia o filme.

Agente da Lei numa metrópole  suja, perniciosa e afundada em crime, Cobrette, ou Cobra como prefere ser chamado, é um policial truculento, de poucas palavras e de ações que, se nos anos 1980 de então, pareciam empolgantes aos olhos de seu público, hoje soam absurdas de tão politicamente incorretas –numa cena bastante sintomática do estilo brutucu do cinema de ação da época, Cobra bate com seu porsche estiloso na traseira do carro de um vizinho latino de seu apartamento. O homem, indignado, tenta lhe tirar satisfações. E Cobra, bronco que só ele, lhe rasga a camisa que usava. Na caracterização que recebe (de alguém petulante, desleixado e marginal), o imigrante latino não precisa sequer ser o responsável pelo delito (quem o fez foi o próprio herói!) para ser o saco de pancadas em cena.

A trama de “Stallone Cobra”, que segue adornada por momentos dessa orientação, mostra Cobra seguindo as pistas do que parece ser um serial-killer e, de novo, a narrativa parece ir na contramão do usual e, por que não, do lógico –são, na realidade, os colegas e parceiros de Cobra quem de fato fazem o trabalho árduo, à ele cabe a pose, as frases feitas e os momentos de diversão, como distribuir bordoada nos outros e arregaçar as mangas para agir. É quase o extremo a que se pode chegar a mentalidade algo republicana do cinema da era Reagan: Um herói completa e declaradamente despido de sutilezas, carregando em si o discurso da ação em detrimento da reflexão. E os que são opostos à sua atitude são assim tratados como empecilhos irritantes e coadjuvantes dignos de antipatia. Nas últimas consequências a que essa postura é levada aqui –pois em “Rambo”, digamos, isso foi tratado com bem mais requinte e convicção –o protagonista concebido dentro desses paradigmas agrega uma involuntária aura cômica: Cobra faz lembrar, a sua maneira, o Inspetor Clouseau da série “A Pantera Cor-de-Rosa” (!), um personagem insípido, vaidoso e iludido na sua inexistente competência que, entre trapalhadas, arroubos e floreios acaba deixando o trabalho de fato para os outros ao seu redor.

É o que acontece: Lá pelas tantas, o serial-killer em questão acaba ganhando uma testemunha ocular para suas ações, a modelo fotográfica Ingrid (Brigitte Nielsen, então casada com Stallone). Na estruturação previsível do roteiro, Ingrid não é somente a peça irrisória que faz a narrativa avançar para algum lugar; ela é, também, um interesse romântico do herói plantado da forma mais desavergonhada possível! E nem mesmo nesse quesito o roteiro parece saber o que fazer: No enredo que assim se constrói, não existem situações por meio das quais Cobra e Ingrid criam um relacionamento. Ela é colocada num programa de proteção às testemunhas, sob a proteção do pra lá de taciturno Cobra e, embora o enlace amoroso lá pelas tantas aconteça por imposição do roteiro, mal trocam uma ou duas palavras (!).

São convenções que só enrolam o filme até chegar onde ele realmente quer: Eis que então descobrimos, num dado ponto, que o serial-killer em questão (interpretado por Brian Thompson) é, na realidade, o líder de uma ceita de serial-killers –e, com isso, Cobra, nosso herói implacável, tal qual Rambo antes dele, ganha todo um exército para poder dizimar sozinho no megalomaníaco e apoteótico desfecho!

Se um dia “Stallone Cobra” foi um filme levado à sério –e creio que na década de 1980 houve, sim, quem tivesse levado o filme muito à sério! –hoje em dia, assisti-lo é uma experiência de rachar o bico: Em sua truculência contextualizada com desleixo, em sua falta de noção completa e, sobretudo, nos erros crasos de realização que o tempo transformou em divertidas preciosidades de uma mentalidade antiquada, a produção de Stallone e Cosmatos acaba resultando tão ou mais hilária do que a grande maioria das comédias assumidas feitas no mesmo período.

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