quinta-feira, 9 de junho de 2022

Um Morto Muito Louco


 Tendo o diretor Ted Kotcheff realizado obras, ainda que díspares, que giravam em torno de seriedade e aflição, dotadas cada qual de sua carga austera de alegoria humana e social –tais como “Pelos Caminhos Do Inferno”, “Rambo-Programado Para Matar” e o subestimado “Conflitos No Inverno” –é inesperada sua inclinação para a comédia vista aqui, embora tenha ele também realizado, um ano antes, o ótimo “Troca de Maridos”, uma esperta refilmagem de “A Primeira Página”, além de outros trabalhos humorísticos que ganharam pouca repercussão. Se dá para dizer que “Um Morto Muito Louco” adquiriu alguma notoriedade em sua filmografia –a ponto, inclusive, de ganhar uma continuação pouco relevante anos depois –isso se deve por fatores inusitados, bem ao estilo da década de 1980, que o transformaram num daqueles ‘clássicos da sessão da tarde’.

Os protagonistas, Rich e Larry (Jonathan Silverman, do hilariante “Confissões de Um Adolescente”, e Andrew McCarthy, de “Clube da Felicidade e da Sorte”) são típicos personagens urgidos nos anos 1980: yuppies assalariados buscando, com muito humor e sem nenhuma noção, um lugar ao sol na competitiva Nova York. Ao mesmo tempo, são também um perfeito contraponto cômico um ao outro: Rich é o perplexo almofadinha que deseja fazer tudo corretamente, enquanto que Larry é o inseparável (e incorrigível) amigo bagunceiro e caótico.

Juntos, julgam ter encontrado a chance de ouro para crescer dentro da empresa e aos olhos do patrão, Bernie Lomax, quando descobrem uma espécie de desfalque. Contudo, o dinheiro desviado é do próprio Bernie (interpretado brilhantemente por Terry Kiser) que já tem um plano para se livrar dos subalternos. Convidá-los para um fim de semana em sua suntuosa casa de praia, e lá, providenciar para que seus capangas gangsteres dêem cabo da dupla. Entretanto, os gangsteres têm seus próprios planos: Ao mexer com a mulher de um dos mafiosos, o próprio Bernie já garantiu sua sentença de morte. E é o que, de fato, ocorre.

Detalhe: Poucas horas antes de Rich e Larry aparecerem como seus convidados.

O que se segue é uma piada esticada até sua exaustão: Com Bernie morto –ainda que os trejeitos congelados do ator Terry Kiser consigam convencer qualquer um do contrário –resta à Larry e Rich manter a farsa de que ele continua vivo a fim de livrar o próprio pescoço da culpa e não estragar o clima constante de festa que predomina na mansão. E do qual ambos, em especial Larry, desejam muito usufruir.

Poderia se dizer que “Um Morto Muito Louco” é uma comédia de humor negro, visto que toda sua comicidade gira em torno de um cadáver, no entanto, sua comédia, hoje transcorridos os cínicos anos 1990, e as rabugentas décadas que vieram depois (nas quais a comédia, sofreu vários altos e baixos), preserva ainda, apesar de tudo, um ar inocente, como se tudo, por mais errado e ilícito que pudesse ser, não passasse de uma grande brincadeira.

E talvez fosse esse mesmo o caso: Não apenas neste, mas em inúmeros outros exemplares dos anos 1980 que integraram a cultura pop, a seriedade sempre atravessava um filtro por meio do qual aparentava ser permitido quase tudo um pouco em nome do entretenimento –o que para muitos, em maior e menor grau, pode ser chamado ‘politicamente incorreto’.

“Um Morto Muito Louco” passa longe de ser o caso mais extremo dessa inusitada vertente. Também passa longe de ostentar qualidades que justifiquem uma espiada mais profunda em sua premissa ou execução. Na verdade, é um filme que deve ter sido muito mais satisfatório e divertido de ser visto na época em que foi realizado –visto hoje, após o gênero de comédia ver vários de seus limites testados em outras produções, algumas por acaso, bem-sucedidas ao encontrar uma qualidade insuspeita, ele é um passatempo bobo, desprovido da capacidade de acrescentar algo ao expectador que dele esperar mais do mesmo.

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