terça-feira, 7 de junho de 2022

Top Gun - Maverick


 A carreira do astro Tom Cruise ascendeu de fato com “Top Gun-Ases Indomáveis” em 1986. De lá para cá, o filme curiosamente resistiu ao teste do tempo de uma forma um tanto quanto estranha: Ele se revela datado no que diz respeito a muitos de seus quesitos técnicos (embora as sequências aéreas sigam empolgando), seu romantismo soa por vezes descabido na justaposição da atitude impávida e atrevida de seu protagonista, e o resultado da soma de suas partes é a um só tempo brega, estiloso, extravagante e arrojado –características que o tornaram um “prazer culposo” na opinião que grande parte de público e crítica. Entretanto, ninguém consegue esquecer “Top Gun”. Nem seu astro Tom Cruise.

Prova de uma qualidade quase indefinível que ele ostentou todo esse tempo é o fato dele ganhar edições especiais em outras mídias, e ser lembrado em várias listas que apontam os filmes mais relevantes e/ou famosos de Tom Cruise. E “Top Gun” não tardou a ser cogitado quando diversos revivals apareceram no cinema hollywoodiano para resgatar narrativas dos anos 1980 com remakes, reboots ou continuações.

Após alguns anos de atraso de seu lançamento original por conta da pandemia, eis que enfim o público teve a chance de descobrir como é a continuação de um filme que, a rigor, não necessitava de continuação alguma –tanto é que o próprio Tom Cruise jamais envolveu-se em qualquer projeto para uma sequência ao longo dos anos, construindo uma sólida carreira com produções novas e inéditas.

“Maverick”  reflete as circunstâncias que definem seu protagonista dentro e, sobretudo, fora das telas: Em 1986, Tom Cruise era um jovem astro emergente, e “Top Gun” foi a prova cabal que ele deu a Hollywood de sua capacidade para hipnotizar o público e carregar um filme inteiro nas costas. Agora, em 2022, ele é um dos maiores, senão o maior astro hollywoodiano, e conduz uma carreira de produtor desde 1996, com “Missão Impossível” –ele assina “Maverick” também como produtor e a ficha técnica do filme é um reflexo claro de escolhas feitas por ele próprio. No lugar do diretor original, Tony Scott, falecido em 2012, entra Joseph Kosinski que dirigiu Cruise em “Oblivion”, e demonstrou plena capacidade de potencializar e atualizar narrativas dos anos 1980 com “Tron-O Legado”. Entre os roteiristas, salta aos olhos o nome de Christopher McQuarie, diretor dos quatro últimos filmes da franquia “Missão Impossível”, e escritor especializado em melhorar e valorizar a qualidade do material que tem em mãos. Todas essas decisões levam ao belíssimo filme que chegou ao cinema, trazendo um alívio bem-vindo ao público, já desiludido com um baixo nível de qualidade nesta temporada.

Quando reencontramos o personagem icônico de Tom Cruise, o piloto de caça Pete “Maverick” Mitchell, já se passaram trinta e seis anos desde a última vez que o vimos. Contudo, ele permanece sendo o mesmo piloto intrépido e indomável de antes, o que justifica o porque de, apesar de colecionar feitos louváveis em combate, ele se mantém no posto de capitão –no início do filme, ele desafia a autoridade de um almirante da Força-Aérea (ponta de Ed Harris) para provar que pilotos humanos ainda são relevantes numa época em que os drones com inteligência artificial começam a substituir o instinto humano.

Dessa enrascada, ele é resgatado por ninguém mais, ninguém menos do que o Almirante “Iceman” Kazansky –o retorno de Val Kilmer para esse personagem é, inclusive, um dos momentos mais comentados pelo público, pelo bonito gesto de Tom Cruise em lutar para ter Val Kilmer (acometido de um câncer na garganta que, em 2020, o levou a uma traqueostomia) e proporcionar a ele uma chance de brilhar, mesmo que inserindo sua voz na pós-produção com recursos digitais. Além disso tudo –e do bom ator que ele sempre foi –o personagem de Kilmer, ainda que breve, tem uma importância vital: É com a autoridade de almirante que Iceman leva Maverick a ser escolhido como instrutor para os novos cadetes do curso conhecido como ‘ases indomáveis’, o mesmo que ambos disputaram no passado.

A tarefa de Maverick é espinhosa e complicada: Seu trabalho é treinar para uma missão tão complexa quanto suicida (o bombardeio sincronizado a uma fábrica subterrânea com poucas chances de retorno seguro) um grupo de jovens pilotos de caça competitivos, rebeldes e narcisistas. E não deixa de ser curioso o fato de que esta produção, deliberadamente ou não, acabe fazendo alusão, em sua premissa, à um elemento que existia na trama de “Águia de Aço” –o desafio dos caças-aéreos seguir por um cânion apertadíssimo em com sérios riscos de colisão –justamente um dos filmes B imitando “Top Gun” que afloraram nos anos 1980; tanto que seu apelido pejorativo era “Top Gun dos pobres” (!) Para dificultar a situação de Maverick, há um detalhe pessoal envolvido; um dos competidores é “Rooster” Bradshaw (Miles Teller), filho do melhor amigo de Maverick, Gooze, morto em uma das missões do filme anterior.

Diferente, portanto, do filme original, “Maverick” alcança seu protagonista num outro ponto de sua vida. Agora um veterano, Maverick tenta equilibrar sua ousadia com a necessidade de ser mentor de toda uma nova geração de pilotos, enquanto tenta estabelecer um vínculo afetuoso com seu passado. Nessa jornada de auto-descoberta, o fator romântico acaba ainda mais negligenciado que antes –a linda e oscarizada Jennifer Connelly, substituindo adequadamente Kelly McGillis, tem uma personagem de pouca ou quase nenhuma influência dentro da trama. No entanto, a direção de Kosinski transforma “Top Gun-Maverick” num espetáculo visual e cinético crucial para ser visto em cinema: A mescla dos efeitos práticos, tomadas digitais, sequências aéreas reais e a tenacidade notória do astro Tom Cruise transformaram as cenas de combate no ar em passagens prodigiosamente impactantes que, diferente dos trechos no filme original, dificilmente serão sobrepujadas pelo tempo.

Contrariando a máxima de que continuações nunca repetem o fascínio do primeiro filme –ainda mais sendo esse primeiro filme um cult de características peculiares e valor singular intrínseco na cultura pop –“Maverick” se mostra um primor de acabamento técnico (as referências ao marcante estilo visual e musical do primeiro filme são um show à parte), um roteiro ponderado e sensato (se não é genial em sua construção, ele corresponde perfeitamente ao que se espera de sua premissa) e um resgate digno e empolgante, mesmo para os saudosistas, de uma das mais envolventes narrativas comerciais da década de 1980.

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