A carreira do astro Tom Cruise ascendeu de fato com “Top Gun-Ases Indomáveis” em 1986. De lá para cá, o filme curiosamente resistiu ao teste do tempo de uma forma um tanto quanto estranha: Ele se revela datado no que diz respeito a muitos de seus quesitos técnicos (embora as sequências aéreas sigam empolgando), seu romantismo soa por vezes descabido na justaposição da atitude impávida e atrevida de seu protagonista, e o resultado da soma de suas partes é a um só tempo brega, estiloso, extravagante e arrojado –características que o tornaram um “prazer culposo” na opinião que grande parte de público e crítica. Entretanto, ninguém consegue esquecer “Top Gun”. Nem seu astro Tom Cruise.
Prova de uma qualidade quase indefinível que
ele ostentou todo esse tempo é o fato dele ganhar edições especiais em outras
mídias, e ser lembrado em várias listas que apontam os filmes mais relevantes
e/ou famosos de Tom Cruise. E “Top Gun” não tardou a ser cogitado quando
diversos revivals apareceram no
cinema hollywoodiano para resgatar narrativas dos anos 1980 com remakes, reboots ou continuações.
Após alguns anos de atraso de seu lançamento
original por conta da pandemia, eis que enfim o público teve a chance de
descobrir como é a continuação de um filme que, a rigor, não necessitava de
continuação alguma –tanto é que o próprio Tom Cruise jamais envolveu-se em qualquer
projeto para uma sequência ao longo dos anos, construindo uma sólida carreira
com produções novas e inéditas.
“Maverick”
reflete as circunstâncias que definem seu protagonista dentro e,
sobretudo, fora das telas: Em 1986, Tom Cruise era um jovem astro emergente, e
“Top Gun” foi a prova cabal que ele deu a Hollywood de sua capacidade para
hipnotizar o público e carregar um filme inteiro nas costas. Agora, em 2022,
ele é um dos maiores, senão o maior astro hollywoodiano, e conduz uma carreira
de produtor desde 1996, com “Missão Impossível” –ele assina “Maverick” também
como produtor e a ficha técnica do filme é um reflexo claro de escolhas feitas
por ele próprio. No lugar do diretor original, Tony Scott, falecido em 2012,
entra Joseph Kosinski que dirigiu Cruise em “Oblivion”, e demonstrou plena
capacidade de potencializar e atualizar narrativas dos anos 1980 com “Tron-O
Legado”. Entre os roteiristas, salta aos olhos o nome de Christopher McQuarie,
diretor dos quatro últimos filmes da franquia “Missão Impossível”, e escritor
especializado em melhorar e valorizar a qualidade do material que tem em mãos.
Todas essas decisões levam ao belíssimo filme que chegou ao cinema, trazendo um
alívio bem-vindo ao público, já desiludido com um baixo nível de qualidade
nesta temporada.
Quando reencontramos o personagem icônico de
Tom Cruise, o piloto de caça Pete “Maverick” Mitchell, já se passaram trinta e
seis anos desde a última vez que o vimos. Contudo, ele permanece sendo o mesmo
piloto intrépido e indomável de antes, o que justifica o porque de, apesar de
colecionar feitos louváveis em combate, ele se mantém no posto de capitão –no
início do filme, ele desafia a autoridade de um almirante da Força-Aérea (ponta
de Ed Harris) para provar que pilotos humanos ainda são relevantes numa época
em que os drones com inteligência artificial começam a substituir o instinto
humano.
Dessa enrascada, ele é resgatado por ninguém
mais, ninguém menos do que o Almirante “Iceman” Kazansky –o retorno de Val
Kilmer para esse personagem é, inclusive, um dos momentos mais comentados pelo
público, pelo bonito gesto de Tom Cruise em lutar para ter Val Kilmer (acometido
de um câncer na garganta que, em 2020, o levou a uma traqueostomia) e
proporcionar a ele uma chance de brilhar, mesmo que inserindo sua voz na
pós-produção com recursos digitais. Além disso tudo –e do bom ator que ele
sempre foi –o personagem de Kilmer, ainda que breve, tem uma importância vital:
É com a autoridade de almirante que Iceman leva Maverick a ser escolhido como
instrutor para os novos cadetes do curso conhecido como ‘ases indomáveis’, o
mesmo que ambos disputaram no passado.
A tarefa de Maverick é espinhosa e complicada:
Seu trabalho é treinar para uma missão tão complexa quanto suicida (o
bombardeio sincronizado a uma fábrica subterrânea com poucas chances de retorno
seguro) um grupo de jovens pilotos de caça competitivos, rebeldes e
narcisistas. E não deixa de ser curioso o fato de que esta produção,
deliberadamente ou não, acabe fazendo alusão, em sua premissa, à um elemento
que existia na trama de “Águia de Aço” –o desafio dos caças-aéreos seguir por
um cânion apertadíssimo em com sérios riscos de colisão –justamente um dos
filmes B imitando “Top Gun” que afloraram nos anos 1980; tanto que seu apelido
pejorativo era “Top Gun dos pobres” (!) Para dificultar a situação de Maverick,
há um detalhe pessoal envolvido; um dos competidores é “Rooster” Bradshaw
(Miles Teller), filho do melhor amigo de Maverick, Gooze, morto em uma das
missões do filme anterior.
Diferente, portanto, do filme original,
“Maverick” alcança seu protagonista num outro ponto de sua vida. Agora um
veterano, Maverick tenta equilibrar sua ousadia com a necessidade de ser mentor
de toda uma nova geração de pilotos, enquanto tenta estabelecer um vínculo
afetuoso com seu passado. Nessa jornada de auto-descoberta, o fator romântico
acaba ainda mais negligenciado que antes –a linda e oscarizada Jennifer
Connelly, substituindo adequadamente Kelly McGillis, tem uma personagem de
pouca ou quase nenhuma influência dentro da trama. No entanto, a direção de
Kosinski transforma “Top Gun-Maverick” num espetáculo visual e cinético crucial
para ser visto em cinema: A mescla dos efeitos práticos, tomadas digitais,
sequências aéreas reais e a tenacidade notória do astro Tom Cruise
transformaram as cenas de combate no ar em passagens prodigiosamente
impactantes que, diferente dos trechos no filme original, dificilmente serão
sobrepujadas pelo tempo.
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