sexta-feira, 25 de agosto de 2023

As Bem-Armadas


 Comédias já foram um lugar comum no cinema comercial norte-americano. Não mais. Expectadores e críticos de cinemas nos últimos anos certamente notaram a escassez do gênero nos circuitos comerciais. A razão para isso é, certamente, a cultura do politicamente correto (na qual, todo o assunto abordado, seja ele qual for, é passível de ofender os envolvidos, conforme as palavras erradas forem usadas) e, por consequência, a cultura do cancelamento (na qual, uma vez considerado ofensivo –mesmo que nem sempre o seja –um filme, uma obra, uma pessoa, ou qualquer coisa que seja, é taxada pelos moralistas de plantão à solta pela internet e se torna alvo de injúrias, difamação, rejeição e desprezo). Comediantes não podem mais fazer piada sob o risco de virarem alvo em potencial do próprio tema que abordaram, e com isso, as comédias, em especial, aquelas de humor mais afiado e, de repente, crítico, deixaram de serem feitas.

É, portanto, necessário relembrar, de tempos em tempos, algumas dessas obras. “As Bem-Armadas”, realizado há dez anos atrás, não é exatamente um filme tão antigo, porém, conferi-lo hoje já provoca aquela sensação de estarmos vendo um trabalho realizado numa época diferente. Seu apelo de público foi –e até hoje continua sendo –a reunião em cena de duas atrizes que sempre estiveram em estado de graça: A estrela Sandra Bullock (no mesmo ano em que foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo esplêndido “Gravidade”) e a comediante Melissa McCarthy.(dois anos depois de ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “Missão Madrinha de Casamento”, aliás, repetindo a parceria com o diretor daquele filme, Paul Feig).

Sandra é Sarah Ashburn, agente do FBI cujo comportamento rígido, reto e certo lhe proporcionou a garantida antipatia da maior parte de seus pares investigadores. Melissa é Shannon Mullins, policial da cidade de Boston que, por sua vez, tem –até demais! –o traquejo das ruas: é desbocada, indisciplinada e mundana. Ambas, mulheres da lei tão antagônicas, elas são –claro! –colocadas como parceiras pela força das circunstâncias: A agente federal é designada e seguir o rastro de um misterioso líder do tráfico de drogas a partir da pista descoberta através de um meliante que a policial prendeu.

Pouquíssimo disposta a abrir mão de sua investigação para a Agente Ashburn (até porque seu irmão ex-presidiário, vivido por Michael Rapaport, está envolvido com os traficantes), a Detetive Mullins acaba aceitando-a como aliada. Assim sendo, no decurso da tumultuada investigação e da aproximação assim exigida, as personagens descobrem que, por trás das incompatibilidades extremas, podem criar um laço de companheirismo e amizade capaz de sobrepujar todas as diferenças –e o diretor Paul Feig aproveita assim para explorar cada instante da notável sintonia que Sandra e Melissa conseguem obter em cena.

Ambas talentosas, hábeis em fazer comédia (mérito que nem toda a atriz que se preze tem, nem mesmo algumas conceituadas) e conhecidas por serem pessoas de fácil convivência nos bastidores, a dupla principal é, de fato, o coração do filme, e o diretor nem se preocupa em esconder isso. O enredo do filme –tolo no fim das contas, se pararmos para pensar que os propósitos da trama policial levam somente à expedientes cômicos –sua fauna de histriônicos coadjuvantes –que até reúne alguns nomes de destaque como Thomas F. Wilson (o Biff de “De Volta Para O Futuro”), Demian Bichir e Marlon Mayans –e todas as decisões do projeto visam circundar e centralizar suas protagonistas. E elas fazem bem seu papel: Ninguém no filme consegue capturar mais a atenção do que elas, nem protagonizar uma piada que seja mais divertida –embora aquelas que não têm muita graça também apareçam vez ou outra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário