Nem só de “Fantasma” vive a filmografia de Don Coscarelli. Apreciador de miscelâneas de gênero –como atestam obras cheias de personalidade como “O Senhor das Feras” ou o posterior “John Morre No Final” –Coscarelli extraiu do irônico conto de Joe R. Landsdale (parte de uma curiosa antologia literária que reunia histórias a envolver Elvis Presley, “The King Is Dead-Tales Of Elvis Post-Mortem”) um híbrido vistoso, espirituoso e pleno de inventividade a reunir proporções quase equivalentes de terror e comédia.
E a ironia espumante que “Bubba Ho-Tep” exerce
ronda, sobretudo, seu protagonista: Numa atuação feita de amor incondicional (e
até um viés inesperadamente comovente) Bruce Campbell, adornado de uma
maquiagem que o envelhece, é Elvis Presley, ou melhor dizendo, Sebastian Haff
(!) –no improvável infortúnio que relata à sua enfermeira (Ella Joyce), ele
decidiu num rompante, ainda quando se achava no auge do sucesso, trocar de
lugar brevemente com um impecável imitador, Sebastian Haff, e assim viver algum
tempo longe da fama asfixiante, entretanto, ao mesmo tempo que ele perdeu , num
incêndio acidental, o contrato que provava seu quiproquó, o seu sósia, ainda em
seu lugar, sofreu a overdose que, aos olhos de todo o mundo, levou-o a ser dado
como morto.
Assim, o agora idoso Elvis Presley, sob a
identidade forçada de Sebastian Haff, amarga seus dias na Casa de Repouso Mud
Creek, junto do melhor amigo Jack (Ossie Davis, de “12 Homens e Uma Sentença”),
por sua vez, um interno que afirma ser o ex-presidente John F. Kennedy,
convertido em um negro (!?) e deixado lá devido à uma conspiração da CIA (!!!).
Essa dupla inusitada logo ganha um antagonista igualmente inusitado para
enfrentar: Vinda do Egito Antigo e extraviada pelos EUA num flashback gaiato, a múmia de um faraó
maligno chamado Bubba Ho-Tep passa a sugar a alma, a energia vital, das pessoas
vivas ao seu redor –e, devido ao fato de tais pessoas serem os hóspedes de uma
casa de repouso, e não haver assim tanto ‘energia vital’ a ser consumida, a
entidade mal-assombrada acaba enfileirando vítima atrás de vítima nas noites
que se seguem.
Nem mesmo os lesados funcionários da agência
funerária (Daniel Roebuck e Daniel Schweiger) se dão conta do excesso de
fatalidade, afinal, é de se esperar que pessoas velhas internadas em uma casa
de repouso encontrem a morte com relativa frequência...
Resta à Elvis e Jack pesquisarem um meio para
eliminar Bubba Ho-Tep no famigerado “Livro das Almas”, antes que se tornem,
eles próprios, as vítimas do devorador de almas –e se há algo que o Rei do Rock
não está disposto a admitir é o atrevimento de um ser sobrenatural querendo tirar
a alma que lhe pertence!
Por vezes notável em sua originalidade, “Bubba
Ho-Tep”, na nitidez de seu baixo-orçamento, não esconde o fato de ser realizado
por um mestre da categoria: Vindo da mesma escola –hoje, tida como clássica –que
moldou realizadores como Sam Raimi, Joel e Ethan Coen e outros diretores que,
em meados dos anos 1980, despontaram como forças criativas no cinema
independente de baixo-orçamento norte-americano, Don Coscarelli emula uma
narrativa de expedientes tradicionais e infalíveis do terror, ao mesmo tempo
que respalda tudo numa atmosfera de diversão auto-consciente, tornando seu
filme um deleite do início ao fim. Outros diretores cederiam facilmente ao
absurdo, transformando tudo numa farsa de humor intermitente, ou dariam um
registro inapropriado à assombração que dá título ao filme, não Coscarelli:
Como já havia demonstrado na “Saga Fantasma”, seu controle sobre as mais
inusitadas variações de sua premissa pulsa um conhecimento narrativo primoroso
a envolver com um carinho desigual a jornada de seus heróis geriátricos contra
uma entidade cuja maldade a despiu de qualquer identidade –a múmia Bubba
Ho-Tep, na trilha de mortes sobrenaturais que a levou do Egito até os EUA, vai
agregando características que lhe roubam, aos poucos, sua procedência egípcia.
Mas, a inspiração mais inconteste, Coscarelli
reserva para seu protagonista: Interpretado com fina ironia por Bruce Campbell
(um ótimo ator subaproveitado no cinema mainstream),
Elvis é um personagem hilário em sua insolência, supino em seu heroísmo e, ao
final, tocante em sua despedida.
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