quarta-feira, 29 de maio de 2024

Alice Na Terra dos Ácidos


 Em 1969, no auge da desconstrução promovida nos valores e nos comportamentos pela contracultura, o diretor Donn Greer (em alguns sites seu nome surge erroneamente como John Donne) concebeu este média-metragem (dura cinquenta e quatro minutos), uma versão lisérgica, maliciosa e ocasionalmente precária de “Alice No País das Maravilhas”, ressaltando elementos subentendidos do conto de Lewis Carroll (mas que sempre estiveram lá, e que muitos realizadores souberam identificar) e usando-os, não sem um certo desleixo, como reflexos para a época em que pertenceu.

A jovem estudante universitária Alice Trempton (Sheri Jackson) vive um cotidiano tranquilo e convencional num subúrbio norte-americano, morando com seu pai viúvo. Entretanto, as transformações do mundo e da sociedade (bem como o inerente aflorar dela mesma como mulher) não tardarão à bater em sua porta, porém, da forma mais errada possível: Ela e sua colega hippie Kathy (Janice Kelly) são convidadas pela professora de francês, Frieda (Julia Blackburn), que não oculta delas suas inclinações lésbicas (!), para uma festa à beira da piscina envolvendo mais três rapazes –daquelas características festas que invariavelmente terminam em orgia...

Sob efeito de alcool e alucinógenos, Alice é levada à uma banheira por Frieda, onde é despida –em pouco tempo, as duas estão nuas! –enquanto Kathy termina seduzida pelos rapazes. Assim, Frieda introduz na vida de Alice o consumo de maconha e LSD –e o consequente efeito cíclico de êxtase, transcendência, dependência e vício que provocam –e o sexo livre (uma ideologia que alegremente mascarava a promiscuidade) quando passa a levá-la, assim como Kathy, às suas saídas noturnas e em festas regadas à drogas que culminam em sucessivas transas grupais.

Filmado em preto & branco (embora sua fotografia adquira cores num momento psicodélico próximo do final), com uma intermitente trilha sonora de jazz e uma narrativa em off quase onipresente do diretor Greer e, logo mais, da própria Sheri Jackson (o que lhe enfatiza tanto a sensação de um filme mudo comentado como o aspecto de ‘filme educacional’ daquela época, uma advertência aos jovens contra os perigos do sexo e das drogas) “Alice Na Terra dos Ácidos” é uma obra incerta entre o didaticamente alarmante e o comercialmente erótico, fruto daqueles estranhos tempos de um cinema poeira underground e exploitation –a despeito da postura de evidente reprovação apontada, sobretudo, no trecho inicial, não tarda ao filme de Donn Greer se restringir às desavergonhadas sequências de sexo (em certo ponto, com as caras e bocas do elenco a quase lembrar uma pornochanchada brasileira!) nas quais o interlúdio casual é mostrado, no comportamento permissivo, relaxado e libertino dos personagens, como a mais trivial das recreações.

O desfecho algo deprimente desta obra extremamente datada regressa para um moralismo vigente e, dadas as circunstâncias aqui, bastante hipócrita –após seus excessos, Alice experimenta as consequências do vício internada no que parece uma clínica brutal de reabilitação. Tal recurso, contudo (explorando muito mal a tênue referência à obra de Lewis Carroll), soa contraditório num filme que passou todo o seu tempo a expor com avidez fetichista toda aquela libertinagem.

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