sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Robô Selvagem


 Poucos estúdios têm o atrevimento de peitar a Disney naquilo que eles mais amplamente se consagraram: As animações. No entanto, já desde as últimas duas décadas (mais precisamente, desde 2001, lançamento de seu primeiro longa animado, “Shrek”), o estúdio da Dreamworks (fundado por Jeffrey Katzenberg, outrora um bem-sucedido produtor da própria Disney), tem trilhado um caminho próprio, onde forjou um estilo e uma identidade visual, sem imitar seu honorável concorrente, concebendo no processo o que hoje pode ser visto como uma belíssima filmografia de animações notáveis –de lá, saíram “Kung Fu Panda”, “Como Treinar Seu Dragão”, “Megamente” e muitos outros.

Sua nova obra, “Robô Selvagem” –dirigido pelo mesmo Chris Sanders que entregou a beleza pura a contagiante de “Como Treinar Seu Dragão” e a diversão alegremente transgressiva de “Lilo & Stitch”, na Disney –é um sopro de renovação fulgurante no que muitos críticos têm apontado como uma mesmice temática e criativa prejudicial para as animações recentes.

Ele conta a história de Rozzum 7134 (voz de Lupita Nyong’o), um robô doméstica de programação muito objetiva –uma vez acionado e designado à uma tarefa, ele só irá parar até que tal tarefa esteja absolutamente realizada. Porém, o robô, ainda dentro de seu caixote, naufraga numa ilha inóspita, junto com muito da carga do navio em que era transportado. Acionado por acaso por uma das lontras do lugar –lá, é abundante a vida selvagem –o robô procura inicialmente por uma tarefa, não encontrando nenhum humano que lhe atribua uma.

No entanto, como no livro de Peter Brown no qual se baseia, o robô –que logo se presta a ser chamada por Rozz –descobre como comunicar-se com a ocasionalmente agressiva fauna da ilha e, num interlúdio desastroso com um urso, o animal mais perigoso de lá, acaba sem querer destruindo o ninho de uma família de gansos, matando todos no processo, exceto um dos novos que logo se choca.

Do ovo sai um filhote, apelidado de Brightbill (voz de Kit Connor), que toma Rozz como sua mãe e passa a segui-la por todos os cantos –a robô, portanto, achou uma tarefa; ensinar o pequeno ganso a se alimentar, a nadar nos lagos do local e, até que chegue o inverno, a voar com as próprias asas, para que junto de outros iguais, ele possa migrar para outros lugares quentes, onde não morrerá.

A fim de cumprir sua tarefa e realizar outras ações improváveis (como saber lidar com as peculiaridades de cada animal selvagem da ilha), Rozz conta com a ajuda um tanto carregada de segundas intenções da raposa Fink (voz de Pedro Pascal), com quem irá aprender os percalços de se viver naquele ambiente belo, porém, sempre rigoroso e perigoso.

Adornado de uma beleza pictória ímpar, convertendo as cenas na ilha, absolutamente predominantes no filme, numa imersão em um quadro de cores vibrantes, “Robô Selvagem” é uma prova inconteste da capacidade da Dreamworks em ombrear e, de vez em quando como aqui, talvez até superar sua concorrente no campo que supostamente eles mais entendem. A história de Rozz é sobre os perigos da natureza, mesmo aqueles disfarçados na beleza inconteste, é sobre as imprevisibilidades do destino, e sobre as responsabilidade da vida em coletivo, mas é, acima de tudo, sobre as inesperadas percepções da maternidade –Rozz, a fenomenal protagonista desta obra tem um primoroso arco narrativo no qual, sem dar-se conta, adquire humanidade pelo simples fato de arcar com as obrigações de criar um filhote, estabelecendo um vínculo que a transforma e transforma a todos à sua volta.

Uma lição de empatia e humanismo que transforma “Robô Selvagem” numa das grandes animações de 2024.

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