sábado, 19 de abril de 2025

Flow


 Dentre todos os indicados ao Oscar 2025 de Melhor Longa-Metragem de Animação, “Flow”, o seu vencedor, vindo da Letônia, era de longe o mais autoral, audacioso e artístico. Completamente despido de diálogos –afinal, os personagens são todos animais –a narrativa de “Flow” se dá por meio da expressividade contida nas cenas, do comentário climático de sua (ótima) trilha sonora e do traquejo cativante das criaturas em cena.

E isso, no filme primoroso construído pelo diretor Gints Zilbalodis (também co-roteirista e co-produtor) já basta.

O protagonista é um gatinho preto, animal selvagem que vaga por uma floresta e pernoita no que parece ser uma casa abandonada por um escultor obcecado por gatos –estátuas e desenhos de gatos estão por todo o lugar, mas nunca vemos o humano que os fez, provavelmente porque morreu, deixando seu animal, o gatinho protagonista, sozinho. Em algum momento, o gato é surpreendido, assim como toda a fauna da região, por uma súbita inundação que coloca todos eles em perigo. Sem a terra firma para se refugiar, o gato encontra um barco abandonado, e nos dias que se seguem, deve aprender a dividi-lo com um cachorro, uma capivara, um lêmure e uma garça, todos eles, personagens que vai encontrando em sua própria trajetória e que, à sua maneira, acrescentam algo de valor à dinâmica do grupo: O cachorro traz uma leveza e uma proximidade por meio da qual todos são seus amigos (diferente do gato cuja excessiva cautela enxerga à todos com precaução); a capivara acolhe à todos com aceitação igualitária (até mesmo os outros amigos do cachorro, mais tarde, quando todos eles trazem caos à harmonia mantida no barco); o lêmure é materialista e, de início, só se importa com as tralhas humanas que consegue juntar (no entanto, é o próprio grupo improvisado que vai lhe mostrar o valor daqueles ao seu redor e não das coisas que guarda); e, por fim. a garça, austera e altiva, ira se opor aos seus próprios pares, num determinado momento, a fim de proteger o gato –esse é o personagem mais elevado em termos de estoicismo moral e, não à toa, é aquele que encontra o desfecho mais, digamos, celestial, em termos metafísicos.

Tudo isso sem que seja necessária a pronúncia de uma única palavra!

Realizado por meio de  computação gráfica com um software gratuito disponível na internet (!), “Flow” surpreende pela beleza deslumbrante de suas imagens (mesmo as imperfeições evidentes, fruto de limitações técnicas razoáveis, soam como uma escolha estilizada e não como um lapso), pela solidez comovente de sua proposta (a obra em si, na sua unidade de eventos e disposições é uma rara experiência aberta às mais variadas interpretações), pelo cinema cheio de propriedade da Letônia assim revelado (lá, o gatinho de “Flow” já tornou-se um ícone nacional) e pela envolvente e emotiva trajetória de seus personagens.

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