sábado, 12 de abril de 2025

O Imperador e O Assassino


 Inspirado na mesma lenda folclórica chinesa que já havia originado o posterior “Herói”, de Zhang Ymou, este “O Imperador e O Assassino” é um reencontro do diretor Chen Kaige e da estrela Gong Li após o aclamado “Adeus, Minha Concubina”, anos antes. Um épico de tintas intimistas cuja abertura, curiosamente, faz uma alusão à “Conan-O Bárbaro”, do diretor John Milius –lá estão as mesmas sequências de batalha a transcorrer durante os créditos iniciais; lá está também a cena da espada sendo forjada, com o aço derretido sendo derramado em sua forma, e uma trilha sonora que remete à de Basil Poledouris. Não tarda, entretanto, à Chen Kaige logo impor seu próprio estilo dilacerante, carregado de tintas dramáticas, puxando muito das dinâmicas esboçadas para o que parece ser uma traição, embasada porém por posturas de lealdade que se transfiguram radicalmente ao sabor das mudanças que a guerra promove na índole dos seres humanos.

250 A.C. O reino de Quin acaba de sobrepujar o reino de Han e, com isso, o poder de Ying Zheng, soberano de Quin, se consolida cada vez mais. O sonho, inicialmente puro e altruísta, de Ying Zheng (o ótimo Xuejian Li, de “Operação Xangai”) é unificar toda a China num único império, promulgando através disso uma paz em todos os reinos divididos. Em seu caminho, ele tem ainda vários reinos opositores à sua soberania, mas, com seu poder bélico aumentando a cada conquista, este é um desfecho que ele já consegue vislumbrar no horizonte.

Ele tem como aliada um amiga dos tempos de infância, a belíssima Lady Zhao (Gong Li, magnífica e maravilhosa), junto de quem já elaborou um estratagema. Ela fingirá unir-se ao seu arquinimigo, o rei de Yan (Zhou Sun), para, junto dele, tramar seu assassinato e escolher à dedo seu assassino –de posse dessas informações, Lady Zhao poderá impedir o assassinato de Ying Zheng ao menos tempo em que essa tentativa fornecerá  à ele o pretexto que queria junto aos súditos para finalmente invadir e tomar o reino de Yan.

O plano leva tempo para se consolidar. Uma vez em Yan, Lady Zhao descobre o candidato ideal para a tarefa: Jing Ke (o excelente Fengyi Zhang, também de “Adeus, Minha Concubina”), um ex-assassino de passado traumático, desejoso de deixar para trás sua macabra especialidade e passar o resto dos seus dias vivendo em harmonia. Mas, Jing Ke é habilidoso demais para ser deixado de lado. O rei de Yan concede à Lady Zhao três meses para que ela convença o relutante Jing Ke a perpetrar o assassinato e, durante esse tempo, ela e Jing Ke constroem um relação de afeto muito mais profunda que ambos esperavam.

Enquanto isso, em Quin, uma série de conspirações palacianas se sucedem –Ying Zheng sofre uma tentativa de ser usurpado pela própria rainha-mãe (Yongfei Gu) e o amante (Zhiwen Wang), e precisa, depois, lidar com a descoberta da verdadeira identidade de seu pai, o Primeiro Ministro deposto (o próprio diretor Chen Kaige), bem como seu suicídio subsequente. Todos esses revezes promovem uma transformação na natureza de Ying Zheng e de seu objetivo maior: Ele passa a massacrar seus adversários sem piedade, levando um genocídio implacável a todos os reinos que se opõem à ele, inclusive Zhao, o reino-natal de... Lady Zhao.

O diretor Chen Kaige não se furta de esmiuçar aspectos cruéis das engrenagens da guerra, não poupando nem mesmo crianças das barbáries assim retratadas, embora o tom de seu trabalho nunca abandone as características de fábula –mas, um fábula de severa e irredutível moral, típica do cinema chinês.

Não há muitos segredos na narrativa: São os personagens de Jin Ke e de Ying Zheng os pólos extremos entre os quais os empuxos da trama transitam, tudo levando ao seu fatídico encontro, no clímax do filme –com a personagem de Gong Li estabelecendo um intrigante ponto de equilíbrio entre os dois, evidenciado pelo incontornável status de estrela da atriz.

É preciso compreender as orientações do cinema de Chen Kaige (no qual, sempre estão em pautas as fatídicas consequências da traição, mesmo quando essa traição vem adornada pelos mais nobres motivos) e do próprio cinema chinês em geral (onde a majestade é vista como uma espécie de instituição contra a qual os meros seres humanos não são capazes de se opor de fato, por mais que tentem) para aceitar os rumos trágicos, pessimistas e lúgubres que acabam tornando seu desfecho, apesar de tudo, um pouco amargo.

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