sábado, 30 de abril de 2016

Ran

Certos filmes são um testemunho à grandeza de seus realizadores. E a filmografia desse grande Akira Kurosawa é, por vezes, povoada por esse tipo de obra.
“Ran”, no qual ele logrou realizar uma variação culturalmente japonesa para o conto moral e universal “Rei Lear”, de Shakespeare, é um esforço cinematográfico de paixão e genialidade. Um brilhantismo que pulsa de cada imagem que transcorre na tela.
Anos antes, o mestre já havia obtido recursos para viabilizar seus projetos com ilustres fãs de seu trabalho (uns tais de George Lucas e Francis Ford Coppola, que produziram, de bom grado, o magistral “Kagemusha-A Sombra do Samurai), e o mesmo voltou a acontecer aqui. (E tornaria a ocorrer novamente quando Lucas e Steven Spielberg uniria-se para produzir o lúdico e personalíssimo “Sonhos de Kurosawa”)
Ran começa com uma caçada que depois se revela quase como um pretexto para o grande lorde Hidetora reunir seus filhos e com eles compartilhar uma decisão que tomou à luz do crepúsculo de sua vivência: Dividir seu reino entre seus três herdeiros.
De início convicto, o ancião começa a tomar contato com facetas de seu arranjo que não tinha previsto, sobretudo quando alguns de seus filhos (influenciados e manipulados por suas mulheres) demonstram características mesquinhas e rancorosas que antes o monarca não havia percebido.
Logo, as intrigas palacianas moverão engrenagens que levarão à guerra, e Hidetora, paradoxalmente à loucura.
Décadas antes o mestre já havia adaptado Shakespeare, no igualmente colossal “Trono Manchado de Sangue”, mas o que ele obtém com “Ran” é de uma excelência cinematográfica difícil de se equiparar, até mesmo de descrever.

Desde as sequências de batalha, dotadas de uma beleza pictória ímpar, até as cenas mais íntimas, conjugadas e elaboradas com uma minúcia que logo se torna patente no detalhado cinema do diretor, todo o filme de Kurosawa é pautado por uma crença pessoal e humana (também ela, muito apropriada a Shakespeare) de que a auto-destruição do homem é o grande fantasma que o assombra, ainda que nas tintas vivas que emprega, o mestre deixe claro que para ele, a esperança e a redenção haverão sempre de existir como opção.

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