Uma das idéias mais ambiciosas e insanas dos
últimos tempos saiu, não por acaso, das mentes fervilhantes e ousadas de
Quentin Tarantino e Robert Rodrigues: Grindhouse.
Tratava-se de um projeto de 2007, no qual eles
peitavam a estrutura padrão de filmes norte-americanos (e mundiais, já que os
cinemas do mundo todo adotaram o formato multiplex).
A ideia era entregar um longa-metragem que, na
verdade, era dois filmes em um: Num mesmo rolo a ser exibido nos cinemas de
shopping center (e hoje quase só existem essas salas de cinema mesmo, com raras
exceções), haveria dois filmes, “Planeta Terror” e “À Prova de Morte”, ambos de
não mais que noventa minutos de duração, dirigidos por Rodrigues e Tarantino,
respectivamente, que junto de outros ‘trailers falsos’ –dos quais já iremos
falar –compunham uma experiência que simulava uma sessão de filmes B, o cinema
poeira, o grindhouse dos anos 1970, cujos exemplares Tarantino tanto ama
homenagear.
Eram filmes de baixo orçamento, de conteúdo por
vezes popular e popularesco, que por serem de metragem enxuta, podiam ser
exibidos em sessões duplas nos drive-ins.
Muitas dessas obras, tão cultuadas por
Tarantino, se perderam, algumas na transição de mídia para o VHS, por que
muitos estúdios e distribuidoras do período não lhe davam valor. Alguns desses
filmes são cults, muitos deles pelo simples fato de serem raríssimos.
Os filmes idealizados por Rodrigues e
Tarantino, imulam as características dos filmes daquele período, inclusive com
‘sujeiras na projeção’ e partes cortadas onde o ‘negativo se perdeu’.
Disfarçando suas produções de filmes B, os realizadores propunham ao expectador
uma espécie de viagem no tempo.
No primeiro deles, “Planeta Terror”, Robert
Rodrigues exercita sua paixão pelos filmes de zumbi, com um pé na ficção
científica barata.
Só assim para comprar a trama mirabolante em
que uma pequena cidadezinha do Texas é subitamente assolada por uma praga de
zumbis carniceiros e gosmentos. Os sobreviventes que se unem contra eles são
uma coleção de personagens peculiares e cartunescos: o rapaz misterioso, bom de
briga e de papo (Freddy Rodrigues, nenhum parentesco com o diretor), o xerife
paternalista (Michael Biehn) e seus ajudantes ineptos e engraçados, o dono de
lanchonete que protege sua receita secreta de churrasco como sua própria vida
(Jeff Fahey), o médico sádico e sarcástico (Josh Brolin) que parece saído de um
gibi, assim como sua esposa (Marley Shelton), e a heroína,a stripper que tem a
perna amputada e em seu lugar recebe uma metralhadora! Interpretada por uma
Rose McGowan sensualmente vulcânica, ela não só rouba o filme como é também a
figura mais emblemática dos filmes Grindhouse.
Já, na obra de Quentin Tarantino, “À Prova de
Morte”, Kurt Russel surge na pele de um personagem chamado Dublê Mike, um
psicopata, que mata suas vítimas usando seu carro, todo equipado para
protegê-lo das consequências mais sérias de acidentes automobilísticos –já que
nas horas vagas, ele atua como dublê de cinema em cenas perigosas ao volante.
Assim ele procura, em bares e estradas, por suas vítimas, em geral, mulheres,
para deliberadamente arremessar seu carro sobre elas. Mas, Dublê Mike encontra
um grupo de garotas, formado por Rosário Dawson, Zoe Bell e Tracie Thoms que
vão fazê-lo se dar mal.
O filme de Tarantino possui mais qualidade,
como cinema (desde o roteiro mais elaborado à condução da atuação do elenco),
do que o filme de Rodrigues, mas isso nem chega a ser uma novidade. Como é de
praxe no cinema de Tarantino, os personagens destilam uma prosa desconcertante
em brilhantes atuações. Ao fim, as mulheres são redimidas pelas três
protagonistas que parecem surgir para subverter a então misoginia da narrativa.
Intercalando os dois filmes, uma série de
trailers falsos (ou seja, não eram filmes reais!) cujo objetivo era, de fato,
dar uma idéia e um “sabor” de como eram as impressões passadas pelos filmes e
propagandas do período. São eles:
“Machete” –O mais sensacional deles, realizado
pelo próprio Rodrigues, e que anos depois, de fato, tornou-se um
longa-metragem, ganhando até uma continuação. “Machete” mostra a história de um
policial federal mexicano (Danny Trejo) envolvido numa aloprada trama de
vingança (e absolutamente nada disso deve ser levado à sério!).
“Thanks Giving” –Sobre um suposto filme slasher
de terror (aqueles de contagem de corpos, estilo “Sexta-Feira 13”), mas que faz
referencia ao que talvez seja o único feriado americano ainda pouco explorado
por filmes de terror: O Dia de Ação de Graças. Esse trailer foi criado e
dirigido por Eli Roth, chapa de Tarantino (fez até uma participação em
“Bastardos Inglórios” como ator) e diretor de “Cabana do Inferno” e “O
Albergue”.
“Werewolf Women of SS” –Na trama... bem, na
verdade, nem existe trama, afinal, é um trailer falso! Mas, a idéia discorre
sobre os filmes de nazi exploitation (produções cheias de violência e nudez
envolvendo nazistas torturando mulheres que compunham o repertório dos
grindhouses e, para variar, eram adoradas por Quentin Tarantino), mostra um
cientista (Bill Moseley) fazendo experiências em mulheres, que terminam virando
lobisomens, é dirigido por Rob Zombie (“A Casa dos 1000 Corpos”) e tem até uma
aparição de Nicolas Cage ao final, como Fu-Manchu (!?!).
Don’t! –Quase um teaser dos tempos de
antigamente, onde o espirituoso diretor Edgar Wright (de “Todo Mundo Quase
Morto”) adotava o mesmo estilo com que eram feitos os trailers de produções inglesas
de terror: Os trailers eram todos narrados, omitindo cenas de diálogos para que
o público não percebesse o sotaque dos atores (!).
Pode parecer uma proposta radical demais para
produtores e exibidores de cinema, e de fato era! Tanto que, logo, esse projeto
foi redesenhado: Salvo algumas salas nos EUA, eles foram lançados divididos em
dois filmes mesmo, “Planeta Terror” (junto com o trailer de “Machete”) e “Á
Prova de Morte”, e essa lógica foi seguida, mais tarde, para o lançamento em
DVD.
Vale lembrar que as cópias canadenses de
“Grindhouse” tiveram um adendo: Foi feita uma espécie de seleção, na qual fãs
enviaram seus próprios ‘trailers falsos’ para um fosse escolhido e ganhasse a
honra de integrar o projeto. O trailer escolhido foi “Hobo With Shotgun” que
contava a alucinada trama de um indigente que, ao juntar uma grana cortando
grama na cidade, resolve usar o dinheiro para comprar uma espingarda calibre 22
e sair pela rua matando a bandidagem. Anos depois, assim como ocorreu com
“Machete”, “Hobo With Shotgun” tornou um longa-metragem de fato, estrelado por
Rutger Hauer, e lançado aqui no Brasil em DVD com o título “O Vingador-Fazendo
Justiça A Cada Bala”. O filme, paupérrimo ao extremo, possuía todo um clima
precário de filme trash evidenciando o amadorismo de seus realizadores.
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