quarta-feira, 18 de maio de 2016

Quentin Tarantino, Robert Rodrigues e o Projeto Grindhouse

Uma das idéias mais ambiciosas e insanas dos últimos tempos saiu, não por acaso, das mentes fervilhantes e ousadas de Quentin Tarantino e Robert Rodrigues: Grindhouse.
Tratava-se de um projeto de 2007, no qual eles peitavam a estrutura padrão de filmes norte-americanos (e mundiais, já que os cinemas do mundo todo adotaram o formato multiplex).
A ideia era entregar um longa-metragem que, na verdade, era dois filmes em um: Num mesmo rolo a ser exibido nos cinemas de shopping center (e hoje quase só existem essas salas de cinema mesmo, com raras exceções), haveria dois filmes, “Planeta Terror” e “À Prova de Morte”, ambos de não mais que noventa minutos de duração, dirigidos por Rodrigues e Tarantino, respectivamente, que junto de outros ‘trailers falsos’ –dos quais já iremos falar –compunham uma experiência que simulava uma sessão de filmes B, o cinema poeira, o grindhouse dos anos 1970, cujos exemplares Tarantino tanto ama homenagear.
Eram filmes de baixo orçamento, de conteúdo por vezes popular e popularesco, que por serem de metragem enxuta, podiam ser exibidos em sessões duplas nos drive-ins.
Muitas dessas obras, tão cultuadas por Tarantino, se perderam, algumas na transição de mídia para o VHS, por que muitos estúdios e distribuidoras do período não lhe davam valor. Alguns desses filmes são cults, muitos deles pelo simples fato de serem raríssimos.
Os filmes idealizados por Rodrigues e Tarantino, imulam as características dos filmes daquele período, inclusive com ‘sujeiras na projeção’ e partes cortadas onde o ‘negativo se perdeu’. Disfarçando suas produções de filmes B, os realizadores propunham ao expectador uma espécie de viagem no tempo.
No primeiro deles, “Planeta Terror”, Robert Rodrigues exercita sua paixão pelos filmes de zumbi, com um pé na ficção científica barata.
Só assim para comprar a trama mirabolante em que uma pequena cidadezinha do Texas é subitamente assolada por uma praga de zumbis carniceiros e gosmentos. Os sobreviventes que se unem contra eles são uma coleção de personagens peculiares e cartunescos: o rapaz misterioso, bom de briga e de papo (Freddy Rodrigues, nenhum parentesco com o diretor), o xerife paternalista (Michael Biehn) e seus ajudantes ineptos e engraçados, o dono de lanchonete que protege sua receita secreta de churrasco como sua própria vida (Jeff Fahey), o médico sádico e sarcástico (Josh Brolin) que parece saído de um gibi, assim como sua esposa (Marley Shelton), e a heroína,a stripper que tem a perna amputada e em seu lugar recebe uma metralhadora! Interpretada por uma Rose McGowan sensualmente vulcânica, ela não só rouba o filme como é também a figura mais emblemática dos filmes Grindhouse.
Já, na obra de Quentin Tarantino, “À Prova de Morte”, Kurt Russel surge na pele de um personagem chamado Dublê Mike, um psicopata, que mata suas vítimas usando seu carro, todo equipado para protegê-lo das consequências mais sérias de acidentes automobilísticos –já que nas horas vagas, ele atua como dublê de cinema em cenas perigosas ao volante. Assim ele procura, em bares e estradas, por suas vítimas, em geral, mulheres, para deliberadamente arremessar seu carro sobre elas. Mas, Dublê Mike encontra um grupo de garotas, formado por Rosário Dawson, Zoe Bell e Tracie Thoms que vão fazê-lo se dar mal.
O filme de Tarantino possui mais qualidade, como cinema (desde o roteiro mais elaborado à condução da atuação do elenco), do que o filme de Rodrigues, mas isso nem chega a ser uma novidade. Como é de praxe no cinema de Tarantino, os personagens destilam uma prosa desconcertante em brilhantes atuações. Ao fim, as mulheres são redimidas pelas três protagonistas que parecem surgir para subverter a então misoginia da narrativa.
Intercalando os dois filmes, uma série de trailers falsos (ou seja, não eram filmes reais!) cujo objetivo era, de fato, dar uma idéia e um “sabor” de como eram as impressões passadas pelos filmes e propagandas do período. São eles:
“Machete” –O mais sensacional deles, realizado pelo próprio Rodrigues, e que anos depois, de fato, tornou-se um longa-metragem, ganhando até uma continuação. “Machete” mostra a história de um policial federal mexicano (Danny Trejo) envolvido numa aloprada trama de vingança (e absolutamente nada disso deve ser levado à sério!).

“Thanks Giving” –Sobre um suposto filme slasher de terror (aqueles de contagem de corpos, estilo “Sexta-Feira 13”), mas que faz referencia ao que talvez seja o único feriado americano ainda pouco explorado por filmes de terror: O Dia de Ação de Graças. Esse trailer foi criado e dirigido por Eli Roth, chapa de Tarantino (fez até uma participação em “Bastardos Inglórios” como ator) e diretor de “Cabana do Inferno” e “O Albergue”.

“Werewolf Women of SS” –Na trama... bem, na verdade, nem existe trama, afinal, é um trailer falso! Mas, a idéia discorre sobre os filmes de nazi exploitation (produções cheias de violência e nudez envolvendo nazistas torturando mulheres que compunham o repertório dos grindhouses e, para variar, eram adoradas por Quentin Tarantino), mostra um cientista (Bill Moseley) fazendo experiências em mulheres, que terminam virando lobisomens, é dirigido por Rob Zombie (“A Casa dos 1000 Corpos”) e tem até uma aparição de Nicolas Cage ao final, como Fu-Manchu (!?!).

Don’t! –Quase um teaser dos tempos de antigamente, onde o espirituoso diretor Edgar Wright (de “Todo Mundo Quase Morto”) adotava o mesmo estilo com que eram feitos os trailers de produções inglesas de terror: Os trailers eram todos narrados, omitindo cenas de diálogos para que o público não percebesse o sotaque dos atores (!).
Pode parecer uma proposta radical demais para produtores e exibidores de cinema, e de fato era! Tanto que, logo, esse projeto foi redesenhado: Salvo algumas salas nos EUA, eles foram lançados divididos em dois filmes mesmo, “Planeta Terror” (junto com o trailer de “Machete”) e “Á Prova de Morte”, e essa lógica foi seguida, mais tarde, para o lançamento em DVD.

Vale lembrar que as cópias canadenses de “Grindhouse” tiveram um adendo: Foi feita uma espécie de seleção, na qual fãs enviaram seus próprios ‘trailers falsos’ para um fosse escolhido e ganhasse a honra de integrar o projeto. O trailer escolhido foi “Hobo With Shotgun” que contava a alucinada trama de um indigente que, ao juntar uma grana cortando grama na cidade, resolve usar o dinheiro para comprar uma espingarda calibre 22 e sair pela rua matando a bandidagem. Anos depois, assim como ocorreu com “Machete”, “Hobo With Shotgun” tornou um longa-metragem de fato, estrelado por Rutger Hauer, e lançado aqui no Brasil em DVD com o título “O Vingador-Fazendo Justiça A Cada Bala”. O filme, paupérrimo ao extremo, possuía todo um clima precário de filme trash evidenciando o amadorismo de seus realizadores.

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