sábado, 5 de novembro de 2016

10 Histórias em Quadrinhos que poderiam render grandes filmes

Agora, quero propor algo diferente: Um olhar mais atento e até especulativo sobre algumas obras que ficaram meio de lado nesta moda de adaptações de histórias em quadrinhos que pegou de assalto o cinema comercial, mas que parece ter se concentrado mais no gênero de super-heróis, deixando de lado outras histórias igualmente sensacionais, e que poderiam resultar em magníficas obras de cinema.

Maus –Um dos maiores clássicos das HQs de todos os tempos ao lado de “Watchmen” e “O Cavaleiro das Trevas”, esta obra poderosa e devastadora feita em preto & branco poderia render uma animação voltada para adultos. Trabalhoso seria para o roteiro adaptar a linguagem essencialmente literária com a qual o autor Art Spiegelman conta, pelos olhos do próprio pai, a história de sobrevivência de sua família de judeus que, durante a Segunda Guerra Mundial, chegou a estar à beira da morte no campo de concentração de Auchwitz. Na visão impiedosa e implacavelmente artística de Spiegelman, os judeus (incluindo seu pai e ele próprio) são retratados como ratos, os alemães como gatos e os norte-americanos como cães, num recurso que paradoxalmente traz um insuspeito humanismo na abordagem de todos eles.

Os Leões de Bagdá –Outro trabalho que funcionaria como uma animação para adultos ou até mesmo um desses filmes onde a computação gráfica recria com perfeição a realidade animal (caso do clássico “Babe-O Porquinho Atrapalhado” ou do recente “Mogli-O Menino Lobo”), esta fábula sobre a dura realidade (e a confusa ideologia) da Guerra do Iraque parte de uma história real: Durante um bombardeio à Bagdá, as bombas libertam quatro leões do zoológico no qual estavam presos, e esses animais passam assim a peregrinar, num misto de assombro, perplexidade e descoberta pelos inexplicáveis escombros daquele mundo humano. O roteirista Brian K. Vaughn imaginou assim, com forte influência do simbólico “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, como teriam sido as desventuras, questionamentos e dúvidas daqueles animais inocentes perdidos no campo de uma batalha da qual nada entendiam.
Um primor.

Retalhos –Uma das obras-primas do escritor e desenhista Craig Thompson (a outra, e igualmente magistral é “Habibi”) este volume único e plenamente emocionante conta um fragmento de sua própria vida, onde ele ressalta a convivência cheia de dualidades com o irmão mais novo durante a infância, a criação religiosa infundida pelos pais, as agruras e o fardo de crescer em meio à adolescência, os revezes particulares da vida em contraponto à experiência catártica do primeiro amor e ao início da vida adulta.
Uma obra cativante feita de pequenos e preciosos detalhes que renderia um filmaço.

Ex-Machina –(não confundir com o brilhante filme de ficção científica estrelado por Alicia Vikander) Esta é, curiosamente, uma história, também ela, de super-herói. Mas um super-herói diferente: Mitchell Hundred é (ou melhor, era) o super-herói conhecido como Ex-Machina, dotado do poder de se comunicar com as máquinas. Naquele que é lembrado como seu grande momento como herói, ele consegue evitar (numa magnífica e corajosa jogada de realidade alternativa) que um dos aviões terroristas destruam uma das torres do World Trade Center no fatídico 11 de setembro. O resultado? Mildred é eleito prefeito de Nova York! A série de quadrinhos acompanha assim a sua tumultuada rotina gerenciando uma das grandes metrópoles do mundo em contraponto ao seu passado heróico que surge em flashbacks ao longo da trama.
Seria uma bem-vinda e magnífica revisão do conceito (cada vez mais batido) de super-heróis.

Concreto –E, por falar nisso, dentre todos os “super-heróis” cuja história vem com uma necessária e saudável diferenciação, provavelmente o mais notável deles é Concreto. Escrito e desenhado pelo artista Paul Chadwick (após uma passagem pela Marvel na qual deve ter se frustrado com o funcionamento esquemático do sistema), o personagem e sua concepção pulsam de inventividade, idiossincrasia e humanismo: Concreto é Ron, um escritor que por meio de uma misteriosa abdução alienígena se vê confinado num imenso e poderoso corpo de pedra e, de um dia para outro, torna-se objeto de estudo de cientistas militares e, mais tarde, da mídia sensacionalista.
Disposto a tentar construir uma vida nessa nova condição (e a lidar com o escrutínio midiático sobre sua figura incomum) ele se torna uma nova espécie de celebridade, tentando testar os limites de seus poderes, ora ajudando as pessoas em perigo, ora se submetendo à disputas humanamente impossíveis.
Já dá para imaginar as maravilhas que Andy Serkis faria ao interpretar Concreto em uma personificação digital num filme.

Fathom –O personagem-título é um guerreiro que busca a conciliação numa iminente guerra entre a humanidade e uma espécie que habita um mundo submarino oculto nos oceanos, mas a protagonista mesmo é a jovem Aspen que, devido ao fato de ser um híbrido entre os dois povos, humano e submarino, e além de possuir vasto poder, representa um papel fundamental nesse conflito. Grande trabalho do falecido artista Michael Turner (muito mais lembrado por seu talento em desenhar belas mulheres do que por seu traquejo como roteirista, é bem verdade), “Fathom” tem todos os elementos melagomaníacos, espalhafatosos e dramáticos que configuram uma boa adaptação de quadrinhos para o cinema. Houve até rumores sobre uma adaptação estrelada por Megan Fox depois que ela se tornou famosa com o primeiro “Transformers”, mas nada foi para frente.
Uma das teorias é a de que “Fathom” seria um projeto com considerável grau de dificuldade por ser em grande parte ambientado em alto mar.

Ronin –(não confundir com o filme de ação homônimo realizado em 1997 por John Frankenheimer) Talvez o mais cinematográfico dos autores de quadrinhos (inclusive pela facilidade com que seus trabalhos ganharam os cinemas), Frank Miller criou, no início dos anos 1980, esta que é, talvez, sua mais ‘infilmável’ obra: “Ronin” é um conto reflexivo, surreal, fatalista e multifacetado sobre os fantasmas da mente na trama audaciosa de um samurai errante teleportado do Japão do Século XIII para uma Nova York futurista na qual o demônio que tencionava matar se tornou controlador do mundo.
A familiaridade da premissa básica não é à toa: Gendy Tartakovsky (de “Meninas Superpoderosas”) baseou-se essencialmente em “Ronin” para conceber sua animação “Samurai Jack”, com um resultado muito mais ameno e pueril.
Na verdade, a trama de “Ronin” mergulha nas armadilhas da insanidade como forma de fragmentar as neuroses humanas, ao mostrar a jornada subjetiva de um herói incapaz de compreender seus infortúnios na mesma medida em que não distingue a loucura de sua própria imponderabilidade.
Tão complexo quanto “Maus” ou “O Incal”, “Ronin” tentou ser adaptado logo depois que “300”, realizado por Zack Snyder, virou febre, pelo mesmo produtor Gianni Nunnari, sob a direção de Sylvain White, de “Stomp The Yard”, mas os trabalhos cessaram quando os executivos perceberam que se tratava de um projeto infinitamente mais denso.

O Incal –Já que falamos nele: Concebido pelo traço incomum do artista Moebius e pela mente fervilhante do escritor Alejandro Jadorowski (também cineasta!), este conto amplo, detalhista e inusitado de ficção científica é uma das obras mais aclamadas dos quadrinhos e ao lado de “Watchmen” (pelo menos antes deste ser adaptado por Zack Snyder) figurava sempre nas listas das adaptações de quadrinhos mais aguardadas e paradoxalmente mais difíceis de serem concebidas.
A trama (pra lá de esotérica) acompanha a trajetória circular de vida, morte e renascimento do detetive particular John Difool, num mundo futurista às voltas com um cristal dotado de grande poder e crenças religiosas cujos dogmas podem afetar a própria realidade, além de uma infinidade de personagens complexos e enigmáticos. Um delírio autoral dos mais ricos em criatividade que a nona arte já viu.
Especulou-se durante um tempo o nome de Ridley Scott para uma adaptação.

Y-O Último Homem –Talvez a obra-prima do roteirista Brian K. Vaughn (criador também das espetaculares premissas de “Ex-Machina” e “Leões de Bagdá” mencionados acima), esta HQ é um exercício e tanto de imaginação: Seu protagonista, o jovem metido à ilusionista Yorick Brown, é o único sobrevivente do sexo masculino num mundo onde uma epidemia de natureza genética exterminou todos os seres providos do cromossomo ‘y’, vagando assim num mundo pós-apocalíptico onde as mulheres prevalecem. A série (magnífica, por sinal) reflete sobre todos os percalços possíveis de uma situação assim, sob o prisma da verossimilhança.
Um grande filme pedindo para ser feito, e não faltam jovens atores proeminentes que poderiam interpretar Yorick Brow e sua parceira a Agente 53.

Estranhos No Paraíso –(não confundir com o clássico alternativo dos anos 1980 dirigido por Jim Jamursch) Uma das mais sensacionais histórias em quadrinhos de todos os tempos, acompanha a rotina nada heróica de duas jovens, Katchoo (a cara da Jennifer Lawrence!) e Francine (Amy Schumer, se pintasse o cabelo de preto), que vivem às voltas com desilusões, amores e dramas muito reais, cortesia do ilustrador e roteirista Terry Moore, dono de um talento sem igual para escrever sobre a dinâmica dos relacionamentos.
À medida que a trama avança (assim como os anos), camadas das protagonistas vão se revelando transformando-as em pessoas verdadeiras das quais temos genuíno prazer em nos aproximar.
Uma síntese primorosa e única entre comédia, drama e história de vida.

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