sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Trumbo - Lista Negra

Um daqueles trabalhos de se ampara quase que integralmente no primor de seu ator principal (e o magnífico Bryan Cranston é um suporte espetacular diga-se de passagem), esta obra, apesar de tudo, representa um salto e tanto de sofisticação para seu diretor, o possivelmente subestimado Jay Roach: Ele finalmente começa a fazer para o cinema a transição que havia feito na TV –e que lá rendeu-lhe larga consagração; exclusivamente televisivos foram o ótimo “Recontagem”, e o ainda melhor “Virada de Jogo”, com Julianne Morre.
Todas obras pertinentes e de postura séria, reveladoras de um diretor preocupado e atento aos meandros numerosos dos pormenores que compõem a política, e que afetam a vida do cidadão comum.
E no cinema, o quê Jay Roach fez?
Comédias rasteiras, divertidas é verdade, mas vulgares até, do porte de “Entrando Numa Fria” (aquele com Robert De Niro e Ben Stiller) ou “Os Candidatos” (com Will Ferrel).
Dava a impressão que Roach reservava sua faceta de cineasta mais sério, mais ambicioso e mais capaz para a TV.
Com “Trumbo” ele parece finalmente harmonizar essas duas metades distintas como realizador num longa-metragem cinematográfico. Há humor aqui também, mas é um humor empregado com minúcia e astúcia, feito mais para pontuar o andamento da narrativa e dela não fazer um desafio enfadonho ao expectador, assim como serve igualmente para salientar uma das muitas características notáveis de seu biografado.
Uma correção: “Trumbo” não é exatamente uma biografia.
Roach apropria-se do trecho mais significativo da vida do roteirista Dalton Trumbo, para com isso construir uma trama pulsante sobre o direito à liberdade de expressão: O período no qual, logo após ser contratado por um estúdio por um valor recorde, ele é incluído na famigerada ‘lista negra’ na Hollywood dos anos 1940, quando uma paranóia anticomunismo gerada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial deu início à Guerra Fria e a uma chamada ‘caça às bruxas’ nos EUA.
Trumbo, comunista convicto e declarado, logo se torna persona non grata em Hollywood (sendo encarcerado, inclusive!) a despeito de seu talento sem igual como escritor e de sua considerável retidão moral como ser humano. Nessa condição, ele se vê obrigado a usar pseudônimos ou outras pessoas para assinar seus roteiros que, independente disso, conquistam grande sucesso chegando até a ganhar (em dois casos específicos: “A Princesa e O Plebeu” e “Arenas Sangrentas”), o Oscar da Categoria –os quais ele ficou anos se poder receber!
Esses percalços (cadeia, empobrecimento e árdua redenção), assim como os de sua família, são mostrados ao longo de décadas. Em meio à essa jornada, Roach não tem pudor em eleger Bryan Cranston como nosso condutor, plenamente consciente da sintonia incomum que ele conquista com o papel –não só é um trabalho de primorosa reconstituição gestual, como também é uma atuação brindada por trejeitos planejados e organizados com carinho e zelo, emoldurando assim as frases espirituosas e afiadas que ele dizia.
Felizmente, o elenco de apoio consegue refletir a competência de um protagonista tão bom (caso contrário, o filme padeceria de um incômodo desequilíbrio): Diane Lane, ainda linda e pontual, como sua esposa, Cleo; Elle Fanning, doce e expressiva, como sua filha, Nikola; Helen Mirren, britanicamente perversa como Hedda Hopper; Michael Stuhlbarg como Edward G. Robinson; Louis C.K. como Arlen Hird; e John Goodman como Frank King.
Agora é só aguardar e torcer para que este filme acertado, fluido e prazeroso seja apenas o primeiro de várias outras obras cinematográficas que venham a revelar o cineasta completo que é Jay Roach.

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