Um daqueles trabalhos de se ampara quase que
integralmente no primor de seu ator principal (e o magnífico Bryan Cranston é
um suporte espetacular diga-se de passagem), esta obra, apesar de tudo,
representa um salto e tanto de sofisticação para seu diretor, o possivelmente
subestimado Jay Roach: Ele finalmente começa a fazer para o cinema a transição
que havia feito na TV –e que lá rendeu-lhe larga consagração; exclusivamente
televisivos foram o ótimo “Recontagem”, e o ainda melhor “Virada de Jogo”, com
Julianne Morre.
Todas obras pertinentes e de postura séria,
reveladoras de um diretor preocupado e atento aos meandros numerosos dos
pormenores que compõem a política, e que afetam a vida do cidadão comum.
E no cinema, o quê Jay Roach fez?
Comédias rasteiras, divertidas é verdade, mas
vulgares até, do porte de “Entrando Numa Fria” (aquele com Robert De Niro e Ben
Stiller) ou “Os Candidatos” (com Will Ferrel).
Dava a impressão que Roach reservava sua faceta
de cineasta mais sério, mais ambicioso e mais capaz para a TV.
Com “Trumbo” ele parece finalmente harmonizar
essas duas metades distintas como realizador num longa-metragem
cinematográfico. Há humor aqui também, mas é um humor empregado com minúcia e
astúcia, feito mais para pontuar o andamento da narrativa e dela não fazer um
desafio enfadonho ao expectador, assim como serve igualmente para salientar uma
das muitas características notáveis de seu biografado.
Uma correção: “Trumbo” não é exatamente uma
biografia.
Roach apropria-se do trecho mais significativo
da vida do roteirista Dalton Trumbo, para com isso construir uma trama pulsante
sobre o direito à liberdade de expressão: O período no qual, logo após ser
contratado por um estúdio por um valor recorde, ele é incluído na famigerada
‘lista negra’ na Hollywood dos anos 1940, quando uma paranóia anticomunismo
gerada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial deu início à Guerra Fria e a
uma chamada ‘caça às bruxas’ nos EUA.
Trumbo, comunista convicto e declarado, logo se
torna persona non grata em Hollywood (sendo encarcerado, inclusive!) a despeito
de seu talento sem igual como escritor e de sua considerável retidão moral como
ser humano. Nessa condição, ele se vê obrigado a usar pseudônimos ou outras
pessoas para assinar seus roteiros que, independente disso, conquistam grande
sucesso chegando até a ganhar (em dois casos específicos: “A Princesa e O
Plebeu” e “Arenas Sangrentas”), o Oscar da Categoria –os quais ele ficou anos
se poder receber!
Esses percalços (cadeia, empobrecimento e árdua
redenção), assim como os de sua família, são mostrados ao longo de décadas. Em
meio à essa jornada, Roach não tem pudor em eleger Bryan Cranston como nosso
condutor, plenamente consciente da sintonia incomum que ele conquista com o
papel –não só é um trabalho de primorosa reconstituição gestual, como também é
uma atuação brindada por trejeitos planejados e organizados com carinho e zelo,
emoldurando assim as frases espirituosas e afiadas que ele dizia.
Felizmente, o elenco de apoio consegue refletir
a competência de um protagonista tão bom (caso contrário, o filme padeceria de
um incômodo desequilíbrio): Diane Lane, ainda linda e pontual, como sua esposa,
Cleo; Elle Fanning, doce e expressiva, como sua filha, Nikola; Helen Mirren,
britanicamente perversa como Hedda Hopper; Michael Stuhlbarg como Edward G.
Robinson; Louis C.K. como Arlen Hird; e John Goodman como Frank King.
Agora é só aguardar e
torcer para que este filme acertado, fluido e prazeroso seja apenas o primeiro
de várias outras obras cinematográficas que venham a revelar o cineasta
completo que é Jay Roach.
Nenhum comentário:
Postar um comentário