terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Kick Ass - Quebrando Tudo

   Em obras de argumento mais raso, o gatilho narrativo que impulsiona a trama e a leva a acontecer se dá por meio de ímpetos nem sempre justificados da parte de seus personagens, todavia, neste belo trabalho, o gatilho narrativo que leva um nerd adolescente a honrar os heróis de quadrinhos que tanto admira tornando-se um deles, é impecável, cortesia do antenado e coerente roteirista Mark Millar que, assinando um punhado de obras um bocado originais, deu um sopro de renovação aos quadrinhos.
   É esse mesmo sopro que o perspicaz diretor Matthew Vaughn é particularmente feliz em recriar nesta sua frenética adaptação para cinema.
   Começando sua carreira com produtor dos filmes ingleses de Guy Ritchie –quando alguns já afirmavam, um pouco injustamente, ser ele o verdadeiro gênio da dupla –Vaughn migrou para a direção com o efusivo “Nem Tudo É O Que Parece” (um ágil trhiller gângster nos moldes de “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” e “Snatch-Porcos e Diamentes”), mas mostrou quais eram suas inclinações quando realizou a adaptação da HQ de Neil Gailman, “Stardust-O Mistério da Estrela”. Após realizar este ótimo “Kick Ass”, ele foi fazer o melhor filme dos X-Men até então, “X-Men Primeira Classe”.
   Não há dúvidas, contudo, que é “Kick Ass” que reúne de maneira bastante eficiente suas mais variadas características como contador de histórias.
   Estão lá a preocupação com a modernidade e a forma como suas ramificações afetam a consciência do “ser” um super-herói (inquietações plenamente compartilhadas com Mark Millar); assim como o registro refinado, violento e virulento, cheio de graça de virtuosismo cinematográfico da própria criminalidade, que ele realizou tão bem em “Nem Tudo É...” e nas obras que produziu, dirigidas por Ritchie. O gangster Damicco (magnificamente personificado por Mark Strong) é uma extensão desses personagens, trazendo os trejeitos e a cultura com a qual foram trabalhados nas obras anteriores de Vaughn –e todos possuem uma perceptível e declarada reverência –e referência! –à Martin Scorsese.
   Mas, ao contrário do que costuma acontecer, são os heróis o elemento mais admirável de “Kick Ass”: Não apenas o perplexo e encantadoramente humano protagonista vivido por Aaron Taylor-Johnson (com quem o roteiro é pródigo em levar o expectador a se identificar), mas principalmente os vigilantes uniformizados, Big Daddy (Nicolas Cage, em sua melhor aparição num bom filme em anos!) e a pequenina Hit Girl (Chloe Grace-Moretz, a personagem que rouba praticamente todo o filme).
  Eles representam o núcleo emocional do filme –quem acompanhamos e por quem torcemos. Num trabalho de caracterização e minúcia de um capricho e carinho desiguais; e é exatamente por isso que a opção gráfica do diretor Vaughn por uma violência acentuada acaba tendo um significado muito mais surpreendente e alarmante: Ainda que em registro deliciosamente cômico, a violência de “Kick Ass” é entregue num nível intenso, para se fazer pensar.

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