Filho do célebre escritor Gabriel Garcia
Marques, o diretor Rodrigo Garcia demonstrou pouco, em cinema, da inclinação
autoral que definiu e consagrou seu pai na literatura.
Mesmo este “Últimos Dias No Deserto”, que
apresenta um caráter artístico muito mais acentuado que seus trabalhos
anteriores, o mediano suspense “Passageiros” e os dramáticos “Destinos
Ligados”, “Albert Noobs” e “Coisas Que Você Pode Dizer Só De Olhar Para Ela”,
ainda preserva elementos de forte convencionalismo. Sua filmografia, como se
pode avaliar é bastante conciliatória e burocrática, sem arroubos criativos,
mas ocasionalmente digna de atenção.
Características que resumem bem este trabalho.
“Útimos Dias...” se debruça sobre um trecho
nebuloso da trajetória de Jesus Cristo –chamado, quando muito, de Yeshua
–(interpretado com astúcia e solenidade por Ewan McGregor) quando este se
auto-exila no deserto para um solitário período de penitência e meditação, e lá
deve superar as tentações físicas, ilustradas em diálogos que mantém com Satã
(interpretado pelo próprio Ewan McGregor, numa jogada bastante curiosa da
narrativa).
Tal segmento da Bíblia é breve e vago em
informações, por isso, a produção, na ânsia de conceber uma premissa que
alcançasse a duração mínima de uma hora e meia introduziu novos personagens que
incorporam, de diferentes maneiras, as ponderações de Cristo.
Assim, ele cruza com uma família que sobrevive
de forma árdua no deserto. São eles, o pai (Ciáran Hinds), severo ainda que
obstinadamente centrado, a mãe (Ayelet Zurer) fragilizada física e
emocionalmente por uma doença, e o filho (Ty Sheridan), desejoso de conhecer
Jerusalém e o mundo para além do deserto.
A sobrevivência é penosa e dilacerante, tanto
que leva o jovem a indagar-se do porque seu pai dedicar-se tanto a ela. O pai
se ressente justamente por essa distância ideológica com o pensamento do filho,
mas mantém-se incapaz de compreendê-lo, enquanto a mãe agoniza com a
possibilidade da morte iminente.
A presença de Cristo pode desequilibrar essa
dolorosa dinâmica –como incita o tempo todo Satã –ou, ele pode tentar encontrar
um desfecho minimamente plausível e benevolente.
Essa aridez de circunstâncias –ressaltada ainda
mais na encenação sofrida, poeirenta e sufocante –imprime ao filme um ritmo e
uma atmosfera que o deixam difícil de ser acompanhado por um público mais
afoito à narrativas ágeis.
Certamente, este não é um
espetáculo de empuxo narrativo como “A Última Tentação de Cristo”, de Martin
Scorsese, nem mesmo um exercício de virtuosismo brilhante como “A Paixão de
Cristo”, de Mel Gibson, ambos trabalhos geniais que se debruçam sobre as etapas
mais conhecidas da história de Jesus, mas compartilha com eles uma visão mais
próxima e humana de Cristo, onde vislumbramos suas dúvidas, temores e
questionamentos de ordem mais íntima.
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