quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Últimos Dias No Deserto

  Filho do célebre escritor Gabriel Garcia Marques, o diretor Rodrigo Garcia demonstrou pouco, em cinema, da inclinação autoral que definiu e consagrou seu pai na literatura.
  Mesmo este “Últimos Dias No Deserto”, que apresenta um caráter artístico muito mais acentuado que seus trabalhos anteriores, o mediano suspense “Passageiros” e os dramáticos “Destinos Ligados”, “Albert Noobs” e “Coisas Que Você Pode Dizer Só De Olhar Para Ela”, ainda preserva elementos de forte convencionalismo. Sua filmografia, como se pode avaliar é bastante conciliatória e burocrática, sem arroubos criativos, mas ocasionalmente digna de atenção.
   Características que resumem bem este trabalho.
  “Útimos Dias...” se debruça sobre um trecho nebuloso da trajetória de Jesus Cristo –chamado, quando muito, de Yeshua –(interpretado com astúcia e solenidade por Ewan McGregor) quando este se auto-exila no deserto para um solitário período de penitência e meditação, e lá deve superar as tentações físicas, ilustradas em diálogos que mantém com Satã (interpretado pelo próprio Ewan McGregor, numa jogada bastante curiosa da narrativa).
   Tal segmento da Bíblia é breve e vago em informações, por isso, a produção, na ânsia de conceber uma premissa que alcançasse a duração mínima de uma hora e meia introduziu novos personagens que incorporam, de diferentes maneiras, as ponderações de Cristo.
Assim, ele cruza com uma família que sobrevive de forma árdua no deserto. São eles, o pai (Ciáran Hinds), severo ainda que obstinadamente centrado, a mãe (Ayelet Zurer) fragilizada física e emocionalmente por uma doença, e o filho (Ty Sheridan), desejoso de conhecer Jerusalém e o mundo para além do deserto.
   A sobrevivência é penosa e dilacerante, tanto que leva o jovem a indagar-se do porque seu pai dedicar-se tanto a ela. O pai se ressente justamente por essa distância ideológica com o pensamento do filho, mas mantém-se incapaz de compreendê-lo, enquanto a mãe agoniza com a possibilidade da morte iminente.
   A presença de Cristo pode desequilibrar essa dolorosa dinâmica –como incita o tempo todo Satã –ou, ele pode tentar encontrar um desfecho minimamente plausível e benevolente.
   Essa aridez de circunstâncias –ressaltada ainda mais na encenação sofrida, poeirenta e sufocante –imprime ao filme um ritmo e uma atmosfera que o deixam difícil de ser acompanhado por um público mais afoito à narrativas ágeis.
   Certamente, este não é um espetáculo de empuxo narrativo como “A Última Tentação de Cristo”, de Martin Scorsese, nem mesmo um exercício de virtuosismo brilhante como “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, ambos trabalhos geniais que se debruçam sobre as etapas mais conhecidas da história de Jesus, mas compartilha com eles uma visão mais próxima e humana de Cristo, onde vislumbramos suas dúvidas, temores e questionamentos de ordem mais íntima.

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