Embora a primeira adaptação do livro de Richard
Matheson seja “Mortos Que Matam”, de 1964, com Vincent Price, estas outras
duas, e mais recentes, versões possuem uma relevância muito maior no que diz
respeito à analogia para com a realidade a que se prestam os contos de ficção
científica em comparação ao datado e ingênuo filme antigo, além de um lugar
especial, sobretudo o filme de 1971, na memória afetiva do público.
A rigor, a trama é a mesma: Cientista do
governo, o coronel Robert Neville (Charlton Heston na versão dos anos 1970;
Will Smith, na de 2007) tem uma rotina desigual em um futuro próximo: As ruas
completamente desertas de Nova York pertencem exclusivamente a ele!
Um surto que converteu a maior parte da
humanidade em criaturas mutantes –e extremamente sensíveis à luz solar –foi
provocado por um vírus ao qual Neville é imune.
Como último ser humano a caminhar sobre os
escombros da civilização (pelo menos até a narrativa, em algum momento, decidir
revelar outros mais) ele busca, dia a dia, um meio de anular o efeito do vírus
e sobreviver às noites de perigo em que as criaturas estão à solta.
Ambos os filmes se valem da imagem quase
icônica, de solidão e estoicismo, onde o protagonista é mostrado sozinho numa
grande e espantosamente desabitada metrópole.
E para a produção de 1971, “A Última Esperança
da Terra”, dirigida por Boris Sagal, é então sintomático que esse personagem
seja desempenhado por Charlton Heston, que á foi Ben-Hur e Moisés, e ao qual a
imagem de herói altivo e romantizado em seu idealismo bruto cai tão bem.
Mas, o filme de 1971 tem também sua parcela de
transgressões –embora, também elas, sejam o elemento que lhe trás anacronismo:
As tais criaturas, nas quais os humanos se tornaram, parecem mais membros de
uma espécie de seita. Albinos, vestidos sempre de túnicas pretas, com óculos
escuros, e cheios de cenas de diálogos entre si (sim, eles conversam!), parecem
mais baseados nos seguidores psicóticos de Charles Mason, em contraponto aos
mortos-vivos bestiais (e digitais) de “Eu Sou A Lenda”.
Mais a frente, quando a participação dessas
criaturas começa a se intensificar em “Última Esperança...” pode-se notar
também que foram vagamente inspirados em vampiros.
Nos anos 1970, com o Vietnam e as militâncias
políticas de toda uma geração, o mote do vírus que se espalha na Terra –como
veremos em flashbacks –é a guerra; em “Eu Sou A Lenda”, num recurso mais atual,
é uma tentativa de criar uma cura para o câncer que sai terrivelmente errado (há
aí, só para constar uma ponta sensacional de Emma Thompson).
Não há como comparar o trabalho de ação,
requintado e brilhante, realizado pelo filme de 2007 (cujo diretor de
fotografia é o mesmo Andrew Lesnie que concebeu as imagens espantosas da
trilogia “O Senhor dos Anéis”) ao filme de 1971.
Entretanto, no filme setentista, o herói
Neville cita de cor as falas do documentário cult “Woodstock-Onde Tudo
Começou”; no filme de 2007, ele cita –pasmem! –a animação “Shrek” (!).
No filme de 1971, como começava a se tornar
convulsivo em algumas produções mais audazes, o herói, caucasiano, acaba
encontrando um par romântico de outra etnia, a bela afro-descendente Rosalind
Cash, que tem até cenas de nudez (embora ela nem se compare, em formosura, à
esplêndida Pam Grier, que ficou famosa na mesma época)!
No filme mais novo, o diretor Francis Lawrence
tornou obsoleto e irrelevante qualquer discurso sobre diversidade e
representatividade ao escalar Will Smith para o papel principal –quem mais
chegar perto de ser algo como um par romântico para ele, neste filme é a
brasileira Alice Braga.
Em ambos os casos, os filmes se apóiam quase
que exclusivamente nos ombros do carisma de seus protagonistas, e nos dois
filmes, isso se prova uma decisão certeira: Tanto Heston quanto Smith não só
são atores talentosíssimos, como também esbanjam simpatia, sendo aquele tipo
raro de intérprete (assim como Tom Hanks em “Náufrago”) que a platéia consegue
acompanhar por um longo tempo sozinho em cena sem se cansar ou se aborrecer.
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