domingo, 30 de abril de 2017

A Última Esperança da Terra / Eu Sou A Lenda

Embora a primeira adaptação do livro de Richard Matheson seja “Mortos Que Matam”, de 1964, com Vincent Price, estas outras duas, e mais recentes, versões possuem uma relevância muito maior no que diz respeito à analogia para com a realidade a que se prestam os contos de ficção científica em comparação ao datado e ingênuo filme antigo, além de um lugar especial, sobretudo o filme de 1971, na memória afetiva do público.
A rigor, a trama é a mesma: Cientista do governo, o coronel Robert Neville (Charlton Heston na versão dos anos 1970; Will Smith, na de 2007) tem uma rotina desigual em um futuro próximo: As ruas completamente desertas de Nova York pertencem exclusivamente a ele!
Um surto que converteu a maior parte da humanidade em criaturas mutantes –e extremamente sensíveis à luz solar –foi provocado por um vírus ao qual Neville é imune.
Como último ser humano a caminhar sobre os escombros da civilização (pelo menos até a narrativa, em algum momento, decidir revelar outros mais) ele busca, dia a dia, um meio de anular o efeito do vírus e sobreviver às noites de perigo em que as criaturas estão à solta.
Ambos os filmes se valem da imagem quase icônica, de solidão e estoicismo, onde o protagonista é mostrado sozinho numa grande e espantosamente desabitada metrópole.
E para a produção de 1971, “A Última Esperança da Terra”, dirigida por Boris Sagal, é então sintomático que esse personagem seja desempenhado por Charlton Heston, que á foi Ben-Hur e Moisés, e ao qual a imagem de herói altivo e romantizado em seu idealismo bruto cai tão bem.
Mas, o filme de 1971 tem também sua parcela de transgressões –embora, também elas, sejam o elemento que lhe trás anacronismo: As tais criaturas, nas quais os humanos se tornaram, parecem mais membros de uma espécie de seita. Albinos, vestidos sempre de túnicas pretas, com óculos escuros, e cheios de cenas de diálogos entre si (sim, eles conversam!), parecem mais baseados nos seguidores psicóticos de Charles Mason, em contraponto aos mortos-vivos bestiais (e digitais) de “Eu Sou A Lenda”.
Mais a frente, quando a participação dessas criaturas começa a se intensificar em “Última Esperança...” pode-se notar também que foram vagamente inspirados em vampiros.
Nos anos 1970, com o Vietnam e as militâncias políticas de toda uma geração, o mote do vírus que se espalha na Terra –como veremos em flashbacks –é a guerra; em “Eu Sou A Lenda”, num recurso mais atual, é uma tentativa de criar uma cura para o câncer que sai terrivelmente errado (há aí, só para constar uma ponta sensacional de Emma Thompson).

Não há como comparar o trabalho de ação, requintado e brilhante, realizado pelo filme de 2007 (cujo diretor de fotografia é o mesmo Andrew Lesnie que concebeu as imagens espantosas da trilogia “O Senhor dos Anéis”) ao filme de 1971.
Entretanto, no filme setentista, o herói Neville cita de cor as falas do documentário cult “Woodstock-Onde Tudo Começou”; no filme de 2007, ele cita –pasmem! –a animação “Shrek” (!).
No filme de 1971, como começava a se tornar convulsivo em algumas produções mais audazes, o herói, caucasiano, acaba encontrando um par romântico de outra etnia, a bela afro-descendente Rosalind Cash, que tem até cenas de nudez (embora ela nem se compare, em formosura, à esplêndida Pam Grier, que ficou famosa na mesma época)!
No filme mais novo, o diretor Francis Lawrence tornou obsoleto e irrelevante qualquer discurso sobre diversidade e representatividade ao escalar Will Smith para o papel principal –quem mais chegar perto de ser algo como um par romântico para ele, neste filme é a brasileira Alice Braga.
Em ambos os casos, os filmes se apóiam quase que exclusivamente nos ombros do carisma de seus protagonistas, e nos dois filmes, isso se prova uma decisão certeira: Tanto Heston quanto Smith não só são atores talentosíssimos, como também esbanjam simpatia, sendo aquele tipo raro de intérprete (assim como Tom Hanks em “Náufrago”) que a platéia consegue acompanhar por um longo tempo sozinho em cena sem se cansar ou se aborrecer.

No fim das contas, duas ótimas adaptações, onde cada uma soube aproveitar as elementos de seu próprio tempo para se fazer um entretenimento memorável.

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