Já faz algum tempo que o posto de “melhor filme
de todos os tempos” –ainda que, cada vez mais, tal alcunha deixe de ter algum
peso devido à seu evidente absurdo –foi sendo retirado de “Cidadão Kane”
passando, na opinião de toda uma nova geração de críticos, para esta obra de
Alfred Hitchcock.
Uma vez dono de tão honorável título, o
trabalho de Hitchcock neste filme passou a ser alvo de estudos cada vez mais
apaixonados e interessados. Numa comparação prévia com sua obra geral, este suspense
parece mais cheio de implicações psicológicas do que é o habitual do diretor
Hitchcock, onde ele aproveita para penetrar nos meandros da mente humana
–embora um olhar mais atento possa constatar que nuances de psicologia sempre
pontuaram seus trabalhos.
Há, na verdade, em “Um Corpo Que Cai”, uma
postura distinta de Hitchcock como realizador, e uma curiosa predisposição em
deixar a natureza comercial e afável das reviravoltas de lado para, em lugar
disso, vislumbrar as conseqüências de ordem dramática, mental e emocional que
uma guinada no plot promove no interior de um personagem. Nesse sentido, este
filme revela-se o mais profundo já engendrado por Hitchcock, talvez, uma idéia
que o perseguia há algum tempo, mas que ele reservou este roteiro em especial
para ser empregada.
James Stewart, um dos colaboradores freqüentes
de Hitchcock, interpreta um homem que sofre de estranha vertigem. Detetive
particular, ele falha em salvar a esposa de um cliente que o contratou para
seguí-la; essa mulher surge vivida de maneira etérea por Kim Novak.
Quando ela cai da torre de um mosteiro, ele
(que se apaixonara por ela) mergulha numa crise psicológica profunda, da qual
custa muito a sair.
Ao retomar uma vida normal, ele encontra por
acaso uma mulher assombrosamente semelhante com a falecida, e ao se envolver
com esta, busca torná-la ainda mais parecida com ela, tingindo-lhe o cabelo e
vestindo-lhe as mesmas vestes.
Hitchcock conduz arduamente a expectativa do
expectador, elevando-a a níveis aflitivos, na medida em que trabalha habilmente
a possibilidade de que a obsessão do protagonista tenha razão de ser: No
desfecho, em grande medida, aterrador, essa mulher guarda, sim, segredos que
remetem ao fatídico caso que o atormenta.
Pleno de uma linguagem
subliminar que Hitchcock leva quase à perfeição, este “Um Corpo Que Cai” se
destaca em sua filmografia por uma postura notadamente mais intimista e
elitista do que seus demais trabalhos –embora, paradoxalmente, este também seja
aquele em que o diretor permite que o viés afetivo de seus personagens mais
venha a interferir na narrativa.
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