Não há como negar a ironia de ver uma ainda
jovem (e linda!) Nastassja Kinski no papel de uma mocinha envolvida num romance
com grandes chances de ser uma relação incestuosa –sendo que o homem mais velho
por quem está atraída pode ser seu pai. A ironia vem do fato de que muito se
falou, durante algum tempo, de que ela poderia ter um caso com seu próprio pai,
o também ator Klaus Kisnki –e o próprio Klaus chegou a incitar tais rumores!
Há também certa relevância neste trabalho do
diretor Alberto Lattuada, no fato de que, ao assumir um tema tão tabu e
transgressivo, ele também incorpora uma insuspeita serenidade ao trabalhar tudo
isso com delicadeza e graça.
Marcello Mastroianni é Giulio, um arquiteto de
meia-idade que vive em Roma, onde tem de aturar os humores da esposa e da
filha. Por obrigação de um trabalho, ele vai para Florença onde viveu boa parte
da sua juventude antes de partir e, de imediato, cruza-se com uma aparição:
Francesca, a personagem inebriante e irresistível de Nastassja!
Nitidamente atraído por ela, ele descobre através
de um amigo que Francesca é a filha de Fosca, uma grande paixão que Giulio
deixou a exatos vinte anos atrás: A idade da moça, portanto, bate, deixando a forte possibilidade de que ela seja sua filha!
O arquiteto se vê, então, num impasse:
Corresponder a atração cada vez maior que sente por ela e perpetrar um possível
ato de incesto, ou deixá-la de lado permitindo que a dúvida determine suas
escolhas.
A direção de Lattuada, sem rompantes mais
autorais, equilibra com sensibilidade as situações que se constroem a partir
dessa premissa, num clima disfuncional e inusitado de romance, muito se valendo
da presença acachapante de Nastassja Kinski para potencializar a concepção de
um desejo que, por vezes, soterra a razão (ela estava, aqui, em seu primeiro
grande filme, e só faria “Tess”, com Roman Polanski, um ano depois), e também
da excelente desenvoltura de Mastroianni que acha o tom certo de perplexidade,
galhofa e angústia para registrar de maneira envolvente os apuros íntimos
vividos por seu personagem. Essas inúmeras sutilezas dramáticas são a grande
contribuição de Lattuada para com a narrativa, que depende imensamente dessa
perspicácia para funcionar.
Ao fim, como o notável trabalho que é –e fruto,
de certa maneira do tempo a que pertence –o filme leva até o fim suas provocações:
Incapazes de desfazer a névoa de permanente mistério acerca da possível
paternidade de Giulio, Francesca toma uma decisão; ele não é pai dela, e sim o
homem por quem se apaixonou. E o filme não se isenta, nos vinte minutos finais,
em flagrá-los, em audazes cenas de amor. Parece, portanto, bastante inerente o
fato de que “Cosi Come Sei” –o título original –reflete uma mentalidade em voga
na época, sobretudo, em meio aos jovens: A do amor livre e pleno, difundido
pelos adeptos da contracultura.
O diretor Alberto Lattuada aproveitou esse mote
para rir de alguns questionamentos de ordem até clerical que convergem no tabu
que ele trabalha em seu filme, embevecendo-o com uma saudável dose de
libertinagem européia.
Bem administrados, esses
ousados elementos rendem um filme delicioso.
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