Durante a realização de “A Vila”, o diretor e
roteirista M. Night Shyamalan ainda estava em estado de graça devido aos êxitos
de seus três últimos trabalhos, “O Sexto Sentido”, “Corpo Fechado” (cuja
audiência inicial pareceu frustrante, mas, com o tempo se tornou um sucesso
cult) e “Sinais”.
Ironicamente, este foi seu último grande filme
pouco antes dele iniciar, com “A Dama Na Água”, uma espécie de banalização com
o estilo que ele próprio havia difundido e enfileirar vários projetos
equivocados. Seria necessário quase uma década para Shyamalan reencontrar o
sucesso com “Fragmentado”.
“A Vila” reúne maravilhosamente bem as
características que definem o realizador que Shyamalan é. Características que,
quando harmoniosas e hábeis, rendem um belo trabalho.
O início já flagra, como é quase sintomático em
Shyamalan, um registro dramático que não poupa seus personagens da tragédia
como forma de ressaltar certa seriedade: Um enterro de alguém muito jovem. Um
pai (Brendan Gleeson) inconsolável.
Chama a atenção o lugar: Um vilarejo
extremamente longínquo e isolado de algum período antigo, como nos sugerem as
moradias, as vestimentas e os costumes que veremos ao longo da narrativa.
O lugar possui toda uma sociedade que se
desenvolveu baseada em regras seguidas à risca. E o combustível que dá eficácia
a essas regras é o medo: A grande floresta que os cerca é habitada por
criaturas estranhas e assustadoras com as quais a população mantém uma trégua
milenar: Uns jamais devem invadir as fronteiras dos outros; as criaturas não
entram na vila, e os aldeões não invadem a floresta.
Dessa forma, as pessoas conservam roupas e
utensílios da cor amarela (considerada a cor boa que afasta as criaturas), e
eliminam da vila qualquer vestígio de vermelho (a cor ruim que as atrai).
É nesse ambiente brilhantemente texturizado
pelo roteiro e pela direção que conhecemos Edward Walker, o personagem de
William Hurt, líder da vila, cuja filha mais jovem, Ivy (a sensacional Bryce
Dallas Howard), é cega de nascença. Além dela, há também Lucius Hunt (Joaquim
Phoenix, presente também no filme anterior de Shyamalan, “Sinais”), a mãe dele
(Sigourney Weaver) e seu melhor amigo, o mentalmente debilitado Noah (Adrien
Brody).
A vida, ora pacata, ora ocasionada por temores,
na vila é justaposta assim pelo modo como cada um desses personagens reage à
circunstância mirabolante em que estão inseridos: Na valentia imprevista
ostentada por Lucius, as criaturas são um meio de se provar digno para proteger
seus entes queridos; nas constantes dissertações de Edward, elas são um
mistério com o qual conviver e ao qual respeitar; em sua aparentemente
inofensiva alienação, Noah é incapaz de enxergar nelas o pavor que outros
enxergam; já, Ivy acolhe com serenidade a maneira com que o mundo permite essa
co-existência.
Entretanto, logo começam a surgir indícios
preocupantes de que a trégua mantida por tanto tempo com as criaturas está por
terminar.
E Shyamalan esbanja habilidade ao elaborar cenas
de minúcia apaixonante que estabelecem uma bela dinâmica de personagens, ao
mesmo tempo em que moldam suas já conhecidas cenas de sobressalto e suspense,
amparadas em referências diversas: “A Vila” guarda elementos de “Tubarão”, de
Steven Spielberg, de “O Morro dos Ventos Uivantes” e da série de TV, “Além da
Imaginação” (fonte à qual o cinema de Shyamalan deve muito).
A grande reviravolta
próxima do desfecho –e, à exemplo dos trabalhos anteriores de Shyamalan, este
filme tem uma –coloca esta obra como uma metáfora, das mais intrigantes, sobre
o protecionismo paranóico difundido pelo governo Bush em particular (pós-11 de
Setembro) e sobre o medo pontual que leva os seres humanos ao distanciamento em
geral.
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