sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Tokyo Godfathers

Satoshi Kon se despe aqui, até certo ponto, da escuridão corrosiva que definia muito da carga dramática de seu memorável “Perfect Blue”. Não há também aquela angústia filosófica e cerebral na falta de distinção de realidades sonhadas e despertas de “Paprika”.
O fantástico e o sobrenatural interferem sim, muito sutil e ocasionalmente, nos acontecimentos deste novo trabalho, mas há uma serenidade lúdica que remete a um tipo de obra mais amena, por vezes, semelhante a um conto de fadas.
No que tange aos aspectos narrativos, este mestre da animação vale-se das mesmas técnicas primorosas –ainda que um bocado mais de leveza e delicadeza –utilizadas por ele em seus já clássicos exemplares; que incluem também “Millenium Actress”, além de “Perfect Blue” (o magnífico “Paprika” foi uma realização posterior).
Expectadores mais atentos perceberão um ligeiro toque de Charles Dickens usado para contar a edificante história de três indigentes que encontram um bebê às vésperas do Natal, e tomam para si a missão de devolvê-lo aos pais.
Myiuki é uma jovem rebelde que experimenta em níveis exponenciais os sentimentos conflitantes (até habituais na adolescência) de culpa e injustiça –ela se vê sem lugar para morar (e, mais do que isso, sem capacidade para perdoar a si mesma) por ter esfaqueado p o próprio pai, um policial, há cerca de seis meses; Gin é um mendigo de meia-idade cuja aflição da vida (assim como a dolorosa lembrança de tudo o que perdeu por conta de desleixo e negligência) é sistematicamente contornada pela contínua submersão no próprio vício, o álcool; já, Hana, uma drag-queen, optou pela condição algo penitente da sarjeta desde que seu marido, o único ser humano que a aceitava de fato, faleceu.
Em comum, estes três personagens têm o fato de dividirem uma mesma barraca de lona como indigentes em Tokyo, e de partilharem, cada qual, de contundentes conflitos familiares (o quê se estenderá para outros personagens conforme esses conflitos forem melhor enunciados, inclusive). Há outra coisa em comum: O bebê achado no lixo e que, nessa noite de Natal, os unirá em torno do objetivo genuíno e salutar de levá-lo de volta para casa. O altruísmo –no melhor estilo Frank Capra –é, assim, algo que germina e purifica: A partir desse gesto, o três desafortunados protagonistas irão repensar suas vidas e os caminhos tomados por eles que os conduziram àquela vida de subsistência, dando margem para que suas próprias histórias encontrem o desfecho do perdão e da reconciliação.

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