É quase impossível resistir à vontade de
comparar uma obra cinematográfica com sua fonte original em quadrinhos quando é
lançada uma adaptação, por mais que não seja algo aconselhável: Apesar das
semelhanças significativas e, em alguns casos, fascinantes, entre as duas
versões, é uma tendência natural que a versão impressa da história, devido ao
seu ritmo literário subjetivo, à liberdade do autor e à amplitude do formato,
seja mais detalhada e completa, dando ao filme a impressão de que ele mutilou e
simplificou a história.
Embora seja dirigido com absoluto brilhantismo
por Edgar Wright (realizador do magnífico “Todo Mundo Quase Morto”), essa não
deixa de ser uma sensação que persegue o expectador em “Scott Pilgrim Contra O
Mundo” quando se compara o filme e a HQ.
Outro problema –bem mais pessoal da minha parte
–é a escolha do inadequado Michael Cera (de “Juno”) para interpretar Scott
Pilgrim, um personagem irrequieto, carismático em sua falta de noção, e
completamente distinto do registro abobalhado que Cera lhe dá (e que se repete,
na verdade, em todas as atuações do ator): É nítido que a escolha do
protagonista foi uma das poucas intervenções do estúdio nesta produção –prova
disso é que todos os outros personagens são maravilhosamente bem escalados.
Jovem canadense e guitarrista de uma banda
obscura, o ligeiramente desligado Scott Pilgrim conhece, um belo dia, uma
garota que lhe transforma a vida: a misteriosa e linda Ramona Flowers (Mary
Elizabeth Winstead, de “Rua Cloverfield 10”, um arraso!).
Para namorá-la, contudo, Scott deve vencer um
desafio; derrotar um a um os sete ex-namorados malignos que Ramona teve antes
de conhecê-lo –o primeiro namoradinho, o indiano Matthew Patel (Satya Bhabha),
o às do skate e astro de cinema nas horas vagas, Lucas Lee (Chris Evas, de
“Capitão América”), o guitarrista e vegano metido a besta Todd Ingram (Brandon
Routh, que estrelou “Superman-O Retorno”, de Bryan Singer), namorado por sua vez
da belíssima Envy Adams (Brie Larson, sensacional como sempre), famosa rockstar
e ex de Scott (!), a enfezada e mortífera Roxy Richter (Mae Whitman), um breve
affair lésbico de Ramona (!), os gêmeos Kyle e Ken Katayanagi (Keita Saitou e
Shôta Saitô), e o líder de todos, o manipulador Gideon Graves (Jason
Schwartzman, impagável).
Todos têm poderes alucinantes (e inesperados
para quem assiste o filme de maneira casual) e representam assim, nesta
vibrante adaptação da festejada graphic-novel de Bryan O’ Malley, o
originalíssimo contexto no qual a narrativa está inserida: Absorvendo
elementos, premissas e circunstâncias dos jogos de videogame, o filme se
estrutura em “fases” representadas pelas lutas contra cada
ex-namorado/adversário, que Scott Pilgrim deve derrotar, assim como também
deve, nesse processo, encontrar um meio de amadurecer, para conseguir
administrar o relacionamento que conquista com Ramona a cada combate. Isso dá
ao filme um dinamismo e um apelo próprio e cativante, efeito que os quadrinhos
originais já causavam. É claro que nas HQs os pormenores desse relacionamento
(o cerne real da obra, ao invés das lutas) e suas mínimas mudanças eram
explorados com muito mais tempo e precisão, rendendo uma analogia
extraordinariamente encantadora (e proporcionando uma presença muito maior e
mais significativa à personagem de Knives Chau, vivida por Ellen Wong,
essencial à trama e à seus desdobramentos, relegada, aqui, a uma participação
infelizmente bem menor), mas o diretor Wright certamente obtém o melhor
resultado possível dentro do limitado tempo de um longa-metragem.
Seu filme é cheio de sentimento e de cenas tão
espantosas quando cativantes, fruto de sua técnica afiada e audaz, e do
entendimento sensato do enredo, do ritmo e das motivações.
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