quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Scott Pilgrim Contra O Mundo

É quase impossível resistir à vontade de comparar uma obra cinematográfica com sua fonte original em quadrinhos quando é lançada uma adaptação, por mais que não seja algo aconselhável: Apesar das semelhanças significativas e, em alguns casos, fascinantes, entre as duas versões, é uma tendência natural que a versão impressa da história, devido ao seu ritmo literário subjetivo, à liberdade do autor e à amplitude do formato, seja mais detalhada e completa, dando ao filme a impressão de que ele mutilou e simplificou a história.
Embora seja dirigido com absoluto brilhantismo por Edgar Wright (realizador do magnífico “Todo Mundo Quase Morto”), essa não deixa de ser uma sensação que persegue o expectador em “Scott Pilgrim Contra O Mundo” quando se compara o filme e a HQ.
Outro problema –bem mais pessoal da minha parte –é a escolha do inadequado Michael Cera (de “Juno”) para interpretar Scott Pilgrim, um personagem irrequieto, carismático em sua falta de noção, e completamente distinto do registro abobalhado que Cera lhe dá (e que se repete, na verdade, em todas as atuações do ator): É nítido que a escolha do protagonista foi uma das poucas intervenções do estúdio nesta produção –prova disso é que todos os outros personagens são maravilhosamente bem escalados.
Jovem canadense e guitarrista de uma banda obscura, o ligeiramente desligado Scott Pilgrim conhece, um belo dia, uma garota que lhe transforma a vida: a misteriosa e linda Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead, de “Rua Cloverfield 10”, um arraso!).
Para namorá-la, contudo, Scott deve vencer um desafio; derrotar um a um os sete ex-namorados malignos que Ramona teve antes de conhecê-lo –o primeiro namoradinho, o indiano Matthew Patel (Satya Bhabha), o às do skate e astro de cinema nas horas vagas, Lucas Lee (Chris Evas, de “Capitão América”), o guitarrista e vegano metido a besta Todd Ingram (Brandon Routh, que estrelou “Superman-O Retorno”, de Bryan Singer), namorado por sua vez da belíssima Envy Adams (Brie Larson, sensacional como sempre), famosa rockstar e ex de Scott (!), a enfezada e mortífera Roxy Richter (Mae Whitman), um breve affair lésbico de Ramona (!), os gêmeos Kyle e Ken Katayanagi (Keita Saitou e Shôta Saitô), e o líder de todos, o manipulador Gideon Graves (Jason Schwartzman, impagável).
Todos têm poderes alucinantes (e inesperados para quem assiste o filme de maneira casual) e representam assim, nesta vibrante adaptação da festejada graphic-novel de Bryan O’ Malley, o originalíssimo contexto no qual a narrativa está inserida: Absorvendo elementos, premissas e circunstâncias dos jogos de videogame, o filme se estrutura em “fases” representadas pelas lutas contra cada ex-namorado/adversário, que Scott Pilgrim deve derrotar, assim como também deve, nesse processo, encontrar um meio de amadurecer, para conseguir administrar o relacionamento que conquista com Ramona a cada combate. Isso dá ao filme um dinamismo e um apelo próprio e cativante, efeito que os quadrinhos originais já causavam. É claro que nas HQs os pormenores desse relacionamento (o cerne real da obra, ao invés das lutas) e suas mínimas mudanças eram explorados com muito mais tempo e precisão, rendendo uma analogia extraordinariamente encantadora (e proporcionando uma presença muito maior e mais significativa à personagem de Knives Chau, vivida por Ellen Wong, essencial à trama e à seus desdobramentos, relegada, aqui, a uma participação infelizmente bem menor), mas o diretor Wright certamente obtém o melhor resultado possível dentro do limitado tempo de um longa-metragem.
Seu filme é cheio de sentimento e de cenas tão espantosas quando cativantes, fruto de sua técnica afiada e audaz, e do entendimento sensato do enredo, do ritmo e das motivações.

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