“Eu me espanto com o encanto, das marés do meu
recanto...”
Barbra Streisand, como diretora, nunca inspirou
muita confiança. Seu egocentrismo artístico e seu narcisismo notório levavam a
fazer dela –que sempre estrelava os próprios filmes –o centro obrigatório de
todas as atenções. O trabalho no qual ela chegou mais perto de conter tais
ímpetos foi sem dúvidas o premiado “O Príncipe das Marés”.
Durante um tempo considerável de filme, ela é
bem sucedida em nos convencer de que todos os colaboradores à frente e atrás
das câmeras terão suas oportunidades burocraticamente administradas para
brilharem com justiça equivalente.
O protagonista do filme é Nick Nolte, naquela
que é uma de suas mais elogiadas atuações –e não é à toa: No papel de Tom, um
treinador de futebol americano com uma perturbadora história familiar para
contar, Nolte é passional, explosivo, vulnerável e magnífico (ele só perdeu o
Oscar de Melhor Ator porque naquele ano de 1991 concorria com o inigualável
trabalho de Anthony Hopkins por “O Silêncio dos Inocentes”).
Tom tem lá seus próprios problemas: Seu
casamento com Sally (Blythe Danner, mãe de Gwyneth Paltrow) está em crise
devido à uma confissão de traição dela. Nessas condições –em que avalia o quão
de felicidade conquistou em sua própria vida afetiva –ele precisa ir à Nova
York onde sua irmã mais jovem, Savannah (Melinda Dillon) tentou mais uma vez
suicídio.
Segundo Suzan, sua psiquiatra (vivida pela própria
Barbra Streisand), Savannah estava em meio ao processo de tratamento através do
qual chegariam ao âmago e às razões de suas instabilidades emocionais. Durante
o período em que ficará na casa da irmã, aguardando a melhora de sua condição,
Tom poderá assim relatar, nas sessões com Suzan, como foi a traumática infância
dela (e, por conseqüência, a dele também) na Carolina do Sul.
Nesse ponto, “O Príncipe das Marés” engata um
ritmo de tom quase bergmaniano, quando os relatos de Tom –na voz grave e
hipnótica de Nolte –revelam as complicadas circunstâncias de sua família: Os
dois eram os filhos mais novos, dentre os três, de um casal, Henry (Brad
Sullivan), um pescador bronco, alcoólatra e rude, e Lila (Kate Nelligan,
indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante), uma dona de casa inepta e fútil
que, apesar da condição precária e periclitante de seu lar, almejava uma vida
melhor, nem que fosse longe de seus filhos e seu marido.
A narrativa de Streisand, numa condução serena
que ludibria o expectador, vai descortinando assim uma trama de ressentimentos
poderosos, frustrações e rancores atrozes, culminando já próximo do final em
uma seqüência bastante indicativa da firmeza e da coragem em abraçar um projeto
de tão contundente dramaturgia.
Existem duas facetas em “O Príncipe das Marés”,
e essa responde por todas as razões pelas quais ele é lembrado como um grande
filme. Mas, há um outro lado...
Paralelamente, enquanto vamos tomando
conhecimento da terrível história de vida de Tom e de seus irmãos, ele e Suzan,
ao longo da inevitável aproximação ocasionada pelas sessões onde ele substitui
a irmã, vão construindo uma espécie de vínculo propiciado pelo fato do
casamento dele estar em frangalhos, e o dela –com um renomado violinista vivido
pelo ator holandês Jerome Krabbé, de vários trabalhos da fase holandesa de Paul
Verhoeven –não se encontrar em situação muito melhor. Resultado: Tom e Suzan
têm um caso. E o filme acaba assim infectado com todos os maneirismos banais de
um romance genérico (com direito à beijo apaixonado diante da lareira e tudo)
onde a diretora Streisand pode explorar à vontade sua predisposição em
enaltecer os atributos artísticos da atriz Streisand!
A diretora, pelo menos, consegue chegar a um
final digno, coerente e poderoso deixando de lado qualquer concessão ao
romantismo e tornando “O Príncipe das Marés” uma obra dotada da insuspeita
capacidade de crescer –e muito –na memória.
A despeito de seus méritos
psicanalíticos (os quais o roteiro escrito por Stephen Goldblatt, Pat Conroy,
Becky Johnston e Ruth Morley de fato tem), o filme se sustenta pela brilhante
contundência de seu relato familiar e pela inquestionável excelência de todo o
seu elenco em contraponto aos seus eventuais lapsos de drama romântico.
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