Eis um filme delicioso que o cinema inglês, em
sua mescla incomum de fina ironia e sagaz seriedade, consegue nos entregar.
Na Inglaterra do final da década de 1930, a
milionária Laura Henderson (a sempre impecável Judi Dench) fica viúva aos 70
anos de idade. Ela não encontra qualquer adequação em bordados ou em reuniões
de grupos assistenciais, atividades normalmente esperadas por uma viúva, em vez
disso, ela compra o depauperado teatro municipal e o reconstrói.
Como produtor de shows, ela contrata o
gabaritado Vivian Van Damm (o saudoso Bob Hoskins em sua última grande atuação)
que sugere uma iniciativa arrojada: Apresentações contínuas, ao longo de todo o
dia.
O sucesso imediato logo dá lugar ao fracasso
quando todas as outras companhias teatrais aderem à mesma tática.
A Sra. Henderson, com quem Vivian nutria uma
relação das mais intensas e turbulentas, dá então uma idéia audaciosa: Introduzir
nudez nos espetáculos!
O governo, enxergando uma proximidade entre a
transgressão tentada no palco e a arte como era vista nos quadros dos museus –onde
a nudez, afinal, era permitida e aceita –estabelece que as modelos que tirarem
a roupa devem ficar efetivamente imóveis. Várias são então contratadas: Sendo
aquela que mais ocupa o tempo da narrativa, a loira Maureen, interpretada pela
lindíssima Kelly Reilly.
O diretor Stephen Frears opta por um caminho
distinto dos filmes baseados em fatos reais ao atribuir pouco interesse nos
meandros historicamente solenes do teatro, ou dos personagens que o conduziram,
ou mesmo das atitudes pioneiras que eles tomaram. Sua atenção está na condução
de suas tramas de natureza mais íntima que inclui, além da relação entre Vivian
e a Sra. Henderson temperada com irritabilidade e afeição, porém essencialmente
platônica e adequadamente britânica, os diversos humores dos integrantes do
espetáculo como a dinâmica velada entre as artistas que se apresentavam de fato
(cantavam e dançavam) e as modelos que precisavam ficar imóveis (às vezes, por
horas) a expor sua nudez para o público.
Algum tempo depois, vem então a Segunda Guerra
Mundial para complicar a vida desses artistas com outros contratempos como os
bombardeios à cidade –que insistiam em ocorrer durante o show! –e a própria
ameaça do governo de interdição –sob pretexto de que o sucesso do teatro
ocasionava muita aglomeração!
Todos esses fatores são tratados com grande
habilidade na mescla de humor e drama por Stephen Frears que entrega aqui uma
obra divertida, ousada na medida em que se presta a ser –a nudez não é somente
sugerida, mas ao mesmo tempo não predomina em cena –e profundamente atenta ao
detalhe do significado da arte em tempos de dificuldade: A meia hora final,
onde os aspectos musicais do filme crescem a olhos vistos, é um testemunho da
necessidade humana de descontração e alegria trazidas em meio ao caos que as
formas de arte como a música, o teatro e
certamente o cinema são capazes de levar às almas aflitas.
Despido de cinismo e imbuído de um bocado de
ingenuidade, Frears concebeu, ainda assim, o que quase pode ser enxergada como
um “Cabaret” dos novos tempos.
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