quarta-feira, 2 de maio de 2018

Zardoz

No seu desvario de ficção científica, metalinguagem e alegoria, “Zardoz” lembra um pouco o incompleto “Globo dePrata”, de Andrzej Zulawski, ao agregar elementos do período (década de 1970) que fazem uma fantasia livre e imprevisível.
O filme de John Boorman começa com uma cabeça flutuante (!) que se auto-intitula Zardoz e se mostra um prévio narrador do filme. Ele também se revela auto-consciente: Nesse estranho monólogo inicial faz inclusive referências ao fato de que sabe tratar-se tudo de um filme de Hollywood.
Contrariando uma série de funções narrativas –e no fim das contas usando tudo para gerar uma sensação de estranheza –o diretor inicia de fato seu filme com outro Zardoz (!) já contrariando a cena anterior: Ele é agora uma gigantesca cabeça de pedra a flutuar sobre seus fiéis como uma nave.
O ano é 2293 e Zardoz é uma divindade que prega a guerra, incentivando a aniquilação do ser humano por meio de justificativas existenciais (a raça humana seria a praga do planeta) e distribuindo armas de fogo.
Entre seus bizarros fiéis –que usam um figurino esquisito de máscaras, pantalonas e cuecas vermelhas –está Zed (Sean Connery) que, por razões mantidas em mistério, entra na enorme cabeça de pedra flutuante e lá encontra corpos nus e plastificados, aparentemente mortos.
Após matar um profeta (vivido pelo mesmo ator que se dizia Zardoz no início), Zed aterrisa numa espécie de santuário conhecido como Vórtice onde uma sociedade de seres humanos evoluídos e imortais convive com o próprio tédio.
Lá, ele se torna um prisioneiro, intrigando os habitantes de lá com suas características físicas primitivas, Zed se equilibra entre o fascínio mal disfarçado de May (Sara Kestelman), que demonstra interesse em sua espécie, e a intolerância contraditória de Consuella (Charlotte Rampling, linda) que busca reprimir a atração pelo indivíduo desconhecido incitando sua destruição.
Pouco a pouco, Zed se dá conta da circunstância mirabolante em que esse imponderável futuro conduziu a raça humana: De um lado, sujeitos à todas as atrocidades bárbaras, estão os denominados Brutos e seus algozes, os Exterminadores (dos quais Zed faz parte) que são incitados pela divindade Zardoz (um embaste) para que se matem numa série de conflitos sem fim. Do outro, protegidos numa idílica região cercada por um campo de força, estão esses seres supostamente evoluídos (que, numa manobra hoje completamente datada, são caracterizados e retratados como decadentes hippies futuristas), cuja boa-venturança de excluir a morte, a dor e o sexo de sua existência legou a eles uma vida interminável de debates sem sentido e de hedonismo.
É Zed, entretanto, quem irá percorrer os caudalosos caminhos que permitirão a derrocada dessa estranha ordem vigente –e tão delirantes são esses percalços que o filme de Boorman com freqüência flerta com o incompreensível, com o kistch e com o mau gosto propriamente dito, perdendo, em diversos momentos, o foco do quê, de fato, quer dizer ao expectador.
Uma idéia absurda comprada com muita boa vontade pelo estúdio (a Twentieth Century Fox), o elenco (sobretudo, o astro Sean Connery) e a equipe técnica, “Zardoz” é, entre outras coisas, um reflexo das noções lisérgicas da contracultura e da liberdade criativa da Nova Hollywood.

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