Desigual por uma série de fatores, esta notável
obra de fantasia saída da mente de Neil Gailman, prestigiado autor de
quadrinhos, aparenta beber da mesma fonte do clássico dos anos 1980
"Labirinto-A Magia do Tempo" –sendo essa fonte “Alice No País das Maravilhas”, de Lewis Caroll –e com ela compõe um trabalho cinematográfico que
se destaca pela ambigüidade de abordagem (é sombrio e inocente; lírico e
violento) e pelo fascinante apuro visual.
Com efeito, seu diretor e designer de produção
é Dave McKean, também ele oriundo dos quadrinhos (fez inúmeras parcerias com
Gailman), onde ilustrou, entre outras, a graphic-novel “Batman-Asilo Arkhan”.
É o modo como o estilo incomum, surreal e
singular de McKean manipula cada fotograma do filme que torna único este
trabalho inglês cujas percepções podem amedrontar as crianças (os expectadores
mais suscetíveis à sua proposta fantasiosa) e intrigar os adultos (que ficarão,
com alguma razão, confusos sobre qual gênero o filme tenta adotar).
A menina Helena (Stephanie Leonidas) é filha de
artistas circenses. Com frequência, ela entra em atritos com a mãe (Gina McKee,
de “Um Lugar Chamado Notting Hill”) motivada por uma insatisfação latente com
sua rotina –e sem dúvida, impulsionada pelo turbilhão hormonal da fase
adolescente que ainda virá.
Quando a mãe adoece gravemente, levando os
artistas do circo à deixar sua família para prosseguir com a vida nômade,
Helene refugia-se num mundo de fantasia quando a realidade parece lhe oprimir.
Esse outro mundo no entanto, que em princípio
ela toma como um mero sonho, aos poucos, começa a fornecer a ela pistas de que
influencia poderosamente o mundo real: Lá há uma princesa benevolente, à qual
foi imposto um sono aparentemente sem fim (que corresponde ao estado cada vez
mais comatoso de sua mãe no hospital), e há também uma rainha, poderosa e
manipuladora (por sua vez, a versão opressora e antagônica de sua mãe) que
perdeu a própria filha e deseja escravizar Helena para que fique eternamente
enfeitiçada em seu lugar.
Por conta dos desdobramentos muito reais que
ocorrem em seus sonhos e pesadelos, os entes queridos de Helena podem assim
estar correndo perigo. A sáida pode estar na descoberta de uma certa ‘Mirror
Mask’ –o título original do filme –mencionada nos diários da verdadeira
princesa desaparecida.
Se a trama remete à filmes dos anos 1980 e toda
sorte de fantasias moldadas nas últimas décadas –fonte primordial de inspiração
para a verve mitológica de Neil Gailman –o visual do filme não permite que ele
se encaixe em qualquer definição de lugar-comum.
Desde os momentos iniciais –quando a premissa
ainda se mantém no que seria a realidade comum –há uma diferenciação flagrante
nos enquadramentos de câmeras, nas justaposições de imagens, na construção
cênica e nas escolhas criteriosas de cores (um exercício de estilo de McKean
que lembra uma mescla rebuscada entre Terry Gillian, Jean Pierre-Jeneaut e Tim
Burton) que abraçam um radicalismo que chega a exceder até mesmo casos
referenciais como “Labirinto do Fauno”, de Guillermo Del Toro, lançado naquele
mesmo ano. Quando a trama avança para o mundo de fantasia então, todo o poderio
sensorial de Dave Mckean infesta as imagens, com predominante manipulação
digital sobre as tomadas –e a computação gráfica, deliberadamente cartunesca,
acaba proporcionando um senso de realismo que engole os atores em cena numa
espécie de angústia psicodélica, muito a ver com a personalidade de seus
realizadores.
Digno de ser chamado de um exemplo único no
cinema, “Máscara da Ilusão” permanece, ainda que obscuro e bastante
desconhecido de boa parte do público, como um caso singular onde o estilo de
Gailman e McKean –tão aclamado em meio aos quadrinhos alternativos –fpo vertido
em toda sua glória e estranheza para o cinema.
E tão perfeito e preciso foi o alcance desse
objetivo que o inevitável resultado foi este filme insólito, desafiador e
amargamente sufocante onde a fantasia (e todo seu contemplativo detalhamento)
serve ao registro alegórico de tristezas tão profundas quanto impronunciáveis.
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