quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O Fantástico Senhor Raposo


Diretor de filmes live-action com frequência divididos entre a seriedade do drama e o surrealismo da comédia, Wes Anderson se valeu, aqui, do expediente da animação com a qual pode expressar seu estilo em condições que a encenação humana não permitia: Usando de personagens personificados por animais (dublados por um time espetacular de estrelas), de um domínio visual e cênico ainda maior do que aquele que exercia antes e despindo-se de certa dualidade inerente aos filmes encenados por atores, onde a atuação mascara a idealização, Anderson narrou um gracioso conto sobre as pulsões primitivas que nos norteiam.
Ainda que imensamente divertido, engana-se, contudo, quem supõe que esta é uma obra para crianças: “O Fantástico Sr. Raposo” é suficientemente adorável e leve para agradar aos pequenos, mas certamente é aos adultos que a narrativa parcimoniosa, um pouco cínica e cheia de subtexto quer falar.
O Sr. Raposo é... bem, uma raposa. Ele e sua esposa vivem a rotina normalmente arriscada de animais selvagens que vivem de roubar galinheiros. Raposo até sugere opções para sua esposa –qual caminho seguirem para voltar à toca, por exemplo –para deixá-la com uma agradável impressão de consideração; entretanto, ela nunca toma as decisões de fato: Raposo sempre a instiga pela escolha que ele deseja.
Com efeito, quando ela anuncia que espera um filhote –o quê exige que Raposo aposente-se da vida arriscada de ladrão de galinhas e arrume um trabalho mais tranquilo –o marido até consente. Mas, também isso se torna uma promessa vazia: Alguns anos depois de sossegar em sua toca, Raposo muda-se com a família para uma árvore cuja vizinhança inclui três fazendas cheias de iguarias tentadoras –e, logo, seu instinto não tarda a levá-lo a arquitetar estratagemas para roubar as galinhas de uma, as carnes defumadas de outra, e as preciosas garrafas de cidra de mais outra.
É nessa última que Raposo descobre um proprietário capaz de dispor de seus recursos para caçá-lo (e à todos os seus) custe o que custar.
Inspirado num livro do mesmo Roald Dahl que concebeu a premissa de “A Fantástica Fábrica de Chocolates”, o filme de Anderson emprega a subterfúgio óbvio de usar protagonistas animais numa animação para uma reflexão não tão óbvia: Até que ponto o instinto primário se sobrepõe às nossas escolhas.
Junto dessa questão, a condução descontraída de Anderson leva à outras mais: Quão erradas são tais escolhas mesmo que deixemos nosso instinto falar mais alto? Não estamos sendo, afinal, condizentes com nós mesmos?

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