Diretor de filmes live-action com frequência
divididos entre a seriedade do drama e o surrealismo da comédia, Wes Anderson
se valeu, aqui, do expediente da animação com a qual pode expressar seu estilo
em condições que a encenação humana não permitia: Usando de personagens
personificados por animais (dublados por um time espetacular de estrelas), de um domínio visual e cênico ainda maior do que
aquele que exercia antes e despindo-se de certa dualidade inerente aos filmes
encenados por atores, onde a atuação mascara a idealização, Anderson narrou um
gracioso conto sobre as pulsões primitivas que nos norteiam.
Ainda que imensamente divertido, engana-se,
contudo, quem supõe que esta é uma obra para crianças: “O Fantástico Sr.
Raposo” é suficientemente adorável e leve para agradar aos pequenos, mas
certamente é aos adultos que a narrativa parcimoniosa, um pouco cínica e cheia
de subtexto quer falar.
O Sr. Raposo é... bem, uma raposa. Ele e sua
esposa vivem a rotina normalmente arriscada de animais selvagens que vivem de
roubar galinheiros. Raposo até sugere opções para sua esposa –qual caminho
seguirem para voltar à toca, por exemplo –para deixá-la com uma agradável
impressão de consideração; entretanto, ela nunca toma as decisões de fato:
Raposo sempre a instiga pela escolha que ele deseja.
Com efeito, quando ela anuncia que espera um
filhote –o quê exige que Raposo aposente-se da vida arriscada de ladrão de
galinhas e arrume um trabalho mais tranquilo –o marido até consente. Mas,
também isso se torna uma promessa vazia: Alguns anos depois de sossegar em sua
toca, Raposo muda-se com a família para uma árvore cuja vizinhança inclui três
fazendas cheias de iguarias tentadoras –e, logo, seu instinto não tarda a
levá-lo a arquitetar estratagemas para roubar as galinhas de uma, as carnes
defumadas de outra, e as preciosas garrafas de cidra de mais outra.
É nessa última que Raposo descobre um
proprietário capaz de dispor de seus recursos para caçá-lo (e à todos os seus)
custe o que custar.
Inspirado num livro do mesmo Roald Dahl que
concebeu a premissa de “A Fantástica Fábrica de Chocolates”, o filme de
Anderson emprega a subterfúgio óbvio de usar protagonistas animais numa
animação para uma reflexão não tão óbvia: Até que ponto o instinto primário se
sobrepõe às nossas escolhas.
Junto dessa questão, a condução descontraída de
Anderson leva à outras mais: Quão erradas são tais escolhas mesmo que deixemos
nosso instinto falar mais alto? Não estamos sendo, afinal, condizentes com nós
mesmos?
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