quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Um Golpe Perfeito


Refilmagem de “Como Possuir Lissu”, que tinha o atrativo de reunir em cena os astros Michael Caine e Shirley MacLaine, este “Um Golpe Perfeito”, dirigido por Michael Hoffman (diretor de “O Outro Lado da Nobreza”, “Um Dia Especial” ou “A Última Estação”, filmes distintos sem maiores elos estilísticos), encontra seu maior trunfo no roteiro assinado pelos Irmãos Coen –a estrutura narrativa cheia de vitalidade e criatividade, marcada por situações de ácida observação e humor negro só não é melhor porque deixa no ar a promessa de uma produção imperdível caso eles tivessem também dirigido o material.
Se “Como Possuir Lissu” contrapunha o charme encantador de Shirley MacLaine e um timing cômico absurdamente perfeito revelado por Michael Caine, “Um Golpe Perfeito” os substitui por Cameron Diaz e Colin Firth.
É injusto comparar o carisma intocado de astros do passado –vistos por muitos, às vezes, com razão, como ‘monstros sagrados’ –com o que os astros de hoje podem fazer (daí a situação tão complicada de refilmagens em geral), mas, há de se reconhecer os acertos que aqui se sucedem.
Sex-symbol estonteante nos anos 1990, e ainda uma bela mulher nos anos 2000, Cameron Diaz espertamente compensa a desfavorável comparação com os atributos de MacLaine entregando uma ótima atuação; enquanto Colin Firth contribui com seu minimalismo, sua fleuma britânica e seu talento inquestionável para dar vida à Harry Deane, um desprezado especialista em arte a serviço do prepotente e arrogante Lionel Shabandar (cuja intratabilidade o maravilhoso Alan Rickman tira de letra).
Lionel tem uma acarinhada coleção de arte, da qual a menina dos olhos vem a ser “Montes de Feno Ao Amanhecer”, de Monet. Harry sabe, portanto, ser uma espécie de meta para Lionel obter assim o quadro-gêmeo, “Montes de Feno Ao Entardecer”, pintado pelo mesmo Monet.
Daí, no plano que ele engendra para passar a perna em seu detestável empregador, a habilidade de seu grande amigo Major (Tom Courtenay, o ótimo narrador de toda a trama) em falsificar obras de arte de modo impecável e a presença sedutora da texana PJ Puznowski (Cameron) para se passar pela proprietária de tal obra.
Isso, claro, na ideia fluente, certeira e sem atropelos que passa pela mente de Harry Deane minutos antes dele propor tal estratagema à PJ em um bar do Texas –no roteiro hábil dos Irmãos Coen, essa cena (uma espécie de ‘Expectativa X Realidade’ ao contrapor essa passagem a todo o resto do filme) ganha uma sequência genial, que surpreende o expectador além de criar um inusitado background para a personagem de Cameron –que não diz um palavra –quando ela por fim fala na ‘realidade’ seu sotaque texano pronunciado (uma característica que agrada bastante os Coen) resulta hilário!
A partir daí o mesmo plano que vislumbramos ao lado de Harry naquela notável cena segue com todos os imprevistos que, em sua ingenuidade disfarçada de divertida convicção, ele não antecipou, ressaltando a desenvoltura de Cameron para pairar entre o sensualmente adorável e o funcionalmente engraçado bem como a capacidade surpreendente (e até então não aproveitada) de Colin Firth para a comédia.
Em algum momento do tortuoso e imperfeito golpe que eles aplicam aos improvisos, vai surgindo uma química que flerta com a possibilidade do romance, entretanto, o roteiro dos Coen é bom demais para permitir que o filme se refugie nessa perspectiva redundante e “Um Golpe Perfeito” segue notável até a última cena, um desenlace algo em aberto (Harry e PJ, afinal, não terminaram juntos e Shabandar é um ótimo vilão em potencial para um segundo filme) que sugere a possibilidade de uma continuação que jamais veio.

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