A situação inicial que dá o ponto de partida do instigante filme de Joann Sfar faz vagamente lembrar “Psicose”: A secretária Dany (a ótima
Freya Mavor) recebe a instrução de seu chefe para entregar o carro em casa
depois de deixa-lo no aeroporto.
Acometida de uma súbita necessidade de atrever,
ela resolve improvisar um novo plano e faz um rápido passeio à praia.
Quando desconhecidos passam a afirmar já terem
a visto por lá –quando na verdade ela estava certa de nunca ter estado lá antes
–Dany interpreta como um dos inúmeros indícios de que algo de muito estranho
começa a acontecer, em especial, depois que descobre a existência de um
misterioso cadáver dentro do porta-malas do carro (!).
Embora Hitchcock continue a ser o norte para o qual a bússola moral e criativa do filme aponta, é nesse trecho que se começam a agregar novas
influências que vão desde o brilhante “Amnésia”, de Cristopher Nolan, até o
desafiador “A Estrada Perdida”, de David Lynch.
Como no primeiro –cuja trama é narrada de trás
para frente –a sucessão de fatos parece se embaralhar ainda que a ordem de fato
nunca fique clara; uma das jogadas do filme é envolver o expectador nessa
tentativa de adivinhação de qual tempo (passado, presente ou futuro) se passa
uma cena que se desenrola de forma imprevisível na sequência da outra.
Com efeito, no caso do filme de Lynch –cujo ritmo,
ordem de eventos e teor de acontecimentos obedece uma espécie de estado
psicológico inerente ao protagonista –este filme também parece, em determinado
ponto, se passar dentro do contexto psicológico da própria personagem
principal, e portanto, corresponder a uma caótica sensação de desencontro.
Tendo o livro no qual se baseou rendido um
longa-metragem anterior (“A Garota No Automóvel Com Óculos e Um Rifle”, de
Anatole Litvak), este filme de Joann Sfar remete aos atuais sucessores de
Quentin Tarantino (como Rian Johnson ou Martin McDonaugh), na agilidade
alucinada e no excesso desvairado de informações que imprime à narrativa. Seu grande
problema: Na elucidação literal que sua premissa possui –e que neste filme foi
assim mantida –a resposta para tantas perguntas elaboradas de forma mirabolante
chega junto com uma sensação de que incrementou demais o tempero para tão pouca
substância.
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