terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Uma Dama de Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro


A situação inicial que dá o ponto de partida do instigante filme de Joann Sfar faz vagamente lembrar “Psicose”: A secretária Dany (a ótima Freya Mavor) recebe a instrução de seu chefe para entregar o carro em casa depois de deixa-lo no aeroporto.
Acometida de uma súbita necessidade de atrever, ela resolve improvisar um novo plano e faz um rápido passeio à praia.
Quando desconhecidos passam a afirmar já terem a visto por lá –quando na verdade ela estava certa de nunca ter estado lá antes –Dany interpreta como um dos inúmeros indícios de que algo de muito estranho começa a acontecer, em especial, depois que descobre a existência de um misterioso cadáver dentro do porta-malas do carro (!).
Embora Hitchcock continue a ser o norte para o qual a bússola moral e criativa do filme aponta, é nesse trecho que se começam a agregar novas influências que vão desde o brilhante “Amnésia”, de Cristopher Nolan, até o desafiador “A Estrada Perdida”, de David Lynch.
Como no primeiro –cuja trama é narrada de trás para frente –a sucessão de fatos parece se embaralhar ainda que a ordem de fato nunca fique clara; uma das jogadas do filme é envolver o expectador nessa tentativa de adivinhação de qual tempo (passado, presente ou futuro) se passa uma cena que se desenrola de forma imprevisível na sequência da outra.
Com efeito, no caso do filme de Lynch –cujo ritmo, ordem de eventos e teor de acontecimentos obedece uma espécie de estado psicológico inerente ao protagonista –este filme também parece, em determinado ponto, se passar dentro do contexto psicológico da própria personagem principal, e portanto, corresponder a uma caótica sensação de desencontro.
Tendo o livro no qual se baseou rendido um longa-metragem anterior (“A Garota No Automóvel Com Óculos e Um Rifle”, de Anatole Litvak), este filme de Joann Sfar remete aos atuais sucessores de Quentin Tarantino (como Rian Johnson ou Martin McDonaugh), na agilidade alucinada e no excesso desvairado de informações que imprime à narrativa. Seu grande problema: Na elucidação literal que sua premissa possui –e que neste filme foi assim mantida –a resposta para tantas perguntas elaboradas de forma mirabolante chega junto com uma sensação de que incrementou demais o tempero para tão pouca substância.

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