sexta-feira, 22 de março de 2019

Anjos do Arrabalde

O diretor Carlos Reichembach, dos poucos cineastas brasileiros que deixava transparecer orgulhosamente em suas obras o seu apreço pelo cinema, tinha uma carreira conduzida com zelo e esperteza: Se por um lado ele mantinha uma atividade constante no nicho popular que abastecia o cinema nacional de então com recursos e expectadores (a pornochanchada que em seus áureos tempos levava multidões às salas), por outro, ele se permitia a realização de dramas contundentes que refletiam a vida comum nas grandes cidades.
Dessa louvável faceta, “Anjos do Arrabalde” é seu produto mais exemplar e admirável.
O filme se concentra em três protagonistas que têm em comum o fato de serem professoras primárias, e lecionar na Escola Municipal Luis Sergio Person (diretor de “São Paulo S/A”, homenageado numa das referências plantadas no filme).
Uma dessas protagonistas é Dália, vivida por Betty Faria. Em sua solteirice crônica, Dália vê sua vida servir para comentários alheios, nos quais os mais maldosos dão conta dela ser lésbica (!). Ela mora com Afonso (Ricardo Blat), seu irmão que, por sua vez, padece do vício em drogas.
Já, Carmo (Irene Stefânia) não tem a oportunidade exercer a profissão, uma vez que seu marido, um delegado de polícia com a mais retrógrada das mentalidades, obrigou-a a se demitir da escola pública, transformando-a numa dona de casa. Dessa forma, a única amizade que Carmo pode cultivar é com Ana (Vanessa Alves), uma manicure cujo namorado truculento e machista a estuprou.
A terceira protagonista do filme é Rosa (Clarisse Abujamra) cuja apatia e frigidez pelos objetivos pessoais não atingidos ela busca atenuar e contornar numa relação vazia e sem perspectiva com o diretor da escola, Soares (José de Abreu).
Ainda que nada econômico no que diz respeito à nudez e ao sexo –assim como ao escândalo também, uma vez que traz temas como assassinato, roubo, tráfico, estupro e incesto! –Reichembach fez uma obra de objetiva crítica social (ressaltando sua denúncia contundente dos comportamentos machistas registrados em quase todos os personagens masculinos do filme), além de um pertinente enaltecimento da figura feminina, em oposição a um obtuso tratamento como objeto sexual; essa união competente entre consciência, dramaturgia e entretenimento foi premiada no Festival de Gramado 1987 com os Kikitos de Melhor Atriz (Betty Faria) e Melhor Atriz Coadjuvante (Vanessa Alves); além de vários outros prêmios em outros festivais.

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