Por volta de 1967, o mundo experimentava
grandes mudanças comportamentais, e o diretor Stanley Kramer, sempre adepto de
uma pequena transgressão, soube trabalhar, na reflexão embutida neste “Guess
Who’s Coming To Dinner” alguns dos tópicos que se faziam socialmente urgentes
naquele período, como o racismo e o movimento dos direitos civis.
Curioso notar o quanto a premissa básica deste
filme tem em comum com o brilhante (e recente) “Corra!”, de Jordan Peele –prova
de que o tema que ocupa seu cerne, e o excelente filme que dele resulta,
continuam extremamente relevantes e atuais.
Os jovens John Prentice (Sidney Poitier) e
Joanna Drayton (Katharine Houghton) voltam do Hawaí para cidade-natal dela, São
Francisco, completamente apaixonados –e tão radiante é seu amor que eles já
alimentam intenções precoces de se casar.
Há, no entanto, um problema para aqueles
contundentes anos 1960 de então: John é negro, e Joanna é branca. O que explica
de pronto as reações pasmadas deste ou daquele figurante que já nesse prólogo
cruzam seu caminho (como o motorista de táxi que lhes dá carona).
A grande complicação do casal está no âmbito
familiar: Nem Joanna contou para seus pais a etnia de John, nem John revelou a
seus pais que a moça com quem casará é branca.
Deveras, é esse processo perplexo de revelação
o eixo principal do filme e sua razão, por assim dizer, de graça –a reação dos
pais de Joanna à novidade espelha assim a reação de toda a sociedade a que
pertencem (e por que não da plateia que assitiu o filme nos cinemas), seja na
sua honestidade, seja no seu cinismo: Christina (a grande Katharine Hepburn), a
mãe, inicialmente reage com espanto, depois resignação e, por fim, com
solidariedade irrestrita ao jovem casal.
Todavia, Matt (Spencer Tracy, magnífico), o
pai, tem objeções que ele vê como fatores realistas a serem levados em conta
–e, numa demonstração talvez de respeito e de sua compreensão da contravenção
existencial que sua união representa, John deposita na decisão de Matt o futuro
de seu matrimônio com Joanna: Se até o jantar daquela mesma noite (que se
complica ainda mais com a inclusão dos pais de John como convidados), Matt
conceder sua aprovação, eles se casarão; se não, John respeitará sua vontade,
mesmo que isso magoe Joanna e à ele próprio.
O diretor Kramer demarca sua narrativa numa
circunstância teatral quebrada apenas em uma ou outra ocasião corriqueira (como
quando Matt e Christina saem para tomar um sorvete, ou quando John e Joanna vão
buscar os pais dele no aeroporto) para, em seus momentos mais intensos,
concentrar-se na interação reflexiva e moral de seus personagens.
Embora lembrado na crônica cinematográfica como
uma grande comédia, os risos que o filme suscita são, quando muito nervosos: É
por vezes muito sério o tema trabalhado para que se faça graça demais –em
contrapartida, o diretor sabe frisar pormenores bastante delicados e
significativos em sua observação do preconceito, como a inesperada
discriminação institucionalizada da própria empregada doméstica dos Drayton (que
também é negra!) para com o novo namorado da filha deles; na concepção dela
(certamente ignorante da inferioridade que isso lhe impõe) os negros devem
saber o seu lugar, e por isso ela trata o gentil John com hostilidade.
Ao longo da noite em que aquelas duas famílias
deverão colocar suas considerações à limpo e à luz das inevitáveis mudanças
sociais, a obra de Stanley Kramer revela, em sua simplicidade poderosa, uma
abrangência fora do comum para questões pertinentes que precisavam adquirir
expressão naqueles tempos –e que ainda precisam.
O cinema é, pois, um meio
de superar as barreiras que nos afastam, e estabelecer meios salutares para
compreendermos uns aos outros. Neste grande e necessário filme, Stanley Kramer
disserta sobre isso ao deslumbrar o expectador com uma trama urgida e
roteirizada com perfeição louvável e encenada por um elenco nunca menos do que
majestoso, onde certamente se destacam as presenças luminosas e emocionantes de
Spencer Tracy e Katharine Hepburn.
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