Apesar de Anne Hathaway ter levado (com
méritos) o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2013 pela sua poderosa presença
como a trágica Fantine na primeira parte da trama (e ela de fato interpreta com
esforço e primazia), o prêmio mais merecido para o filme de Tom Hooper foi
mesmo o Oscar de Melhor Mixagem de Som.
Explica-se: “Os Miseráveis” é uma espécie muito
incomum de musical; ele foi rodado com gravação sincrônica dos atores cantando
para a câmera, a exemplo de muitas outras obras pregressas, no entanto, num
escopo técnico antes tido por inimaginável, daí ser extraordinariamente notável
a capacidade dos técnicos em capturar as vozes dos atores, filtrá-las de toda
infinidade de sons poluentes e eventuais da cena e emoldurá-las com a melodia
da trilha sonora para dali obter as músicas que compõem e ajudam
sistematicamente a contar a história antes imaginada pelo escritor Victor Hugo
no romance literário, e depois adaptada por Claude-Michel Schönberg e Alain
Boublil, na versão teatral e musical que tanto sucesso fez nos palcos para
então aqui ser vertida para o cinema.
O ano é 1817. Conhecemos o protagonista, Jean
Valjean (Hugh Jackman, maravilhoso) um francês condenado à escravidão por ceder
à fome; roubou um pedaço de pão para si a para a própria irmã. Durante sua
liberdade condicional (que chega depois de 19 longos anos), Valjean aproveita e
foge. Logo ele descobre que precisa abandonar sua identidade se tiver alguma
intenção de prosperar naquela França do Século XIX: A discriminação para com
ex-prisioneiros, como é o caso dele, chega a ser intolerável.
Descobre outra coisa também: O valor da solidariedade
e do apego à Deus.
Cerca de oito anos se passam, e então Valjean
(chamado agora pela nobre alcunha de Monsieur Prefeito!) é um homem rico, dono
de uma tecelagem. É lá que trabalha Fantine (Anne), moça virtuosa (busca sempre
fugir do assédio insidioso do contramestre) que não tarda a ter sua própria
cota de drama: Mandada embora do emprego graças às crueldades perpetradas por
suas colegas, Fantine não tem dinheiro para sustentar sua filhinha Cosette, e
por conta disso, vende seus cabelos, depois seus dentes e, por fim, sua honra
(se prostitui) para então perecer. Em seu leito de morte, Valjean –que sente-se
culpado por não ter tido a oportunidade de ampará-la –lhe promete que será um
pai para Cosette dali para frente, e a tira de seus insensíveis e
inescrupulosos tutores, o casal Thénardier (interpretado com histrionismo por
Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter).
Os anos tornam a se passar com Valjean sempre
sob a sombra da rancorosa perseguição do obstinado Inspetor Javert (Russell
Crowe, equilibrando a truculência do personagem com uma inesperada desenvoltura
como cantor).
Então vivida por Amanda Seyfried, Cosette se
apaixona por Marius (Eddie Redmayne), um jovem abastado que engrossa as
fileiras da Revolução Francesa na luta pelos direitos do povo oprimido. Cosette
e Marius formam com a filha dos Thénardier, Eponine (Samantha Banks, única
oriunda da montagem teatral), um triângulo amoroso a movimentar a trama.
Neste ponto, Valjean se vê num dilema entre
tornar a fugir (e recomeçar a vida), mais uma vez longe do encalço de Javert,
ou finalmente separar-se Cosette, que ele ama como filha, deixando-a tentar a
felicidade ao lado de Marius.
Não faltam tristezas em profusão a se abater
sobre os personagens neste trabalho de Tom Hooper no qual o expectador deve
saber, de antemão, que todos os diálogos são cantados ao invés de declamados
–com isso, “Os Miseráveis” é uma sucessão de canções ocasionalmente
antológicas, tão famosas que muitos talvez nem saibam que provêem desta obra,
como é o caso da sofrida e ritmada “Look Down”, da célebre e visceral “I
Dreamed A Dream”, da envolvente “My Life, A Heart Full Of Love”, e de várias
outras.
Nesse sentido, o trabalho
do diretor Hooper (que antes havia levado o Oscar de Melhor Filme por “O
Discurso do Rei”) não prima por modéstia: Em sua exuberância rasgada e seu romantismo
intoxicante, ele por vezes pode exaurir o expectador. Entretanto, para aqueles
dentre o público que forem capazes de lhe fazer a travessia, “Os Miseráveis”
reserva uma experiência de arrebatamento insuspeito e emoção irrestrita.
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