Prova da ótima interpretação de Rodrigo Santoro
no papel do craque de futebol Heleno de Freitas é já sua primeira cena, onde o
vislumbramos atravessando sua derradeira fase decadente como interno num
sanatório em Barbacena; e onde vemos também uma espécie de explicação para a
fotografia (assinada por Walter Carvalho) ser em preto & branco: “Heleno”
tenta (e com frequência consegue) replicar a atmosfera dos anos 1940 e 50 que o
grande público de hoje conhece por meio de fotos monocromáticas e raríssimas
gravações caseiras completamente destituídas de cores. Nesse evocativo empenho
visual, o filme, portanto, deseja recriar uma época.
E inserido nela, a ascensão e queda de seu
protagonista –claro então que o mesmo esmero ao mostrar um Heleno em 1959,
deteriorado e catatônico, é também dedicado ao auge do jogador, ocorrido nos
anos 1940, quando Heleno carregou praticamente sozinho o clube do Bota-Fogo
rumo às suas vitórias.
Ídolo anterior ao Pelé (como é demonstrado numa
cena), Heleno experimentou o turbilhão da fama que não raro arrebata astros
fulgurantes (sejam eles esportivos, ou de qualquer outra modalidade): Junto do
sucesso vieram mulheres, bebidas, festas e superexposição; e nessa esteira, os
excessos que levaram aos vícios (são sucessivas as cenas em que o vemos fumando
–às vezes até mais de um cigarro de uma vez só! –e inalando éter), e desses
vícios à derrocada da vida pessoal e profissional.
Essa trajetória, pavimentada com paixão pelo
diretor José Henrique Fonseca, primeiro justapõe a personalidade impulsiva de
Heleno às mulheres que marcaram sua vida –que, no filme, se resumem à esposa e
mãe de seu único filho Silvia (Alinne Moraes) e à cantora argentina Diamantina
(Angie Cepeda, de “Pantaleão e As Visitadoras”) –em cujo pendor, entre uma e
outra, percebemos sua bipolaridade e sua intolerância para com relacionamentos
estáveis. Depois, a narrativa se instala gradualmente no âmbito futebolístico,
mostrando o status inédito de astro que Heleno obteve no meio (foi, por
exemplo, o primeiro jogador de futebol a conceber uma entrevista em uma estação
de rádio); sua irredutível arrogância para com seus pares (colegas de time que
Heleno sabia serem inferiores a ele como atletas, e com os quais não tinha
qualquer tato); e sua paixão declarada pelo time do Bota-Fogo –que, graças ao
seu gênio temperamental, ele foi obrigado a deixar quando foi vendido para o
Boca Jr. da Argentina, onde terminou não conseguindo se adaptar.
No retorno ao Brasil, Heleno conseguiu, nesse
processo, sabotar seu próprio casamento (sua esposa, já com o filho pequeno
terminou casando-se com seu melhor amigo), sua carreira (já visto como um
jogador difícil, só conseguiu vaga para jogar no América Futebol Clube quando
seu desempenho já não era o mesmo e os excessos já começavam a cobrar seu
preço) e sua saúde (ele contraiu sífilis, doença que, durante algum tempo, os
médicos lhe recomendaram que tratasse, mas que, na ânsia por realizar o sonho
frustrado de jogar na Copa do Mundo, ele negligenciou e terminou por matá-lo anos
depois).
Na atuação minimalista e cheia de
profissionalismo de Rodrigo Santoro conseguimos enxergar com facilidade o ser
humano passional e intempestivo que Heleno foi, sua incapacidade de ceder à
descoberta das próprias limitações (seja com a idade, seja com a doença), bem
como a forma irrefreável com que ele involuntariamente elaborou a própria
derrocada ao realizar cada um de seus caprichos.
É um filme dramaticamente extenuante,
visualmente admirável e artisticamente irrepreensível, uma das grandes obras do
cinema nacional recente, não fosse uma certa dificuldade em se fazer acessível
ao público.
Mas, quer saber? Isso
também já seria pedir demais!
Acho fantástico esse filme, roteiro muito bem desenvolvido.
ResponderExcluirFabricio Gurski