segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Heleno

Prova da ótima interpretação de Rodrigo Santoro no papel do craque de futebol Heleno de Freitas é já sua primeira cena, onde o vislumbramos atravessando sua derradeira fase decadente como interno num sanatório em Barbacena; e onde vemos também uma espécie de explicação para a fotografia (assinada por Walter Carvalho) ser em preto & branco: “Heleno” tenta (e com frequência consegue) replicar a atmosfera dos anos 1940 e 50 que o grande público de hoje conhece por meio de fotos monocromáticas e raríssimas gravações caseiras completamente destituídas de cores. Nesse evocativo empenho visual, o filme, portanto, deseja recriar uma época.
E inserido nela, a ascensão e queda de seu protagonista –claro então que o mesmo esmero ao mostrar um Heleno em 1959, deteriorado e catatônico, é também dedicado ao auge do jogador, ocorrido nos anos 1940, quando Heleno carregou praticamente sozinho o clube do Bota-Fogo rumo às suas vitórias.
Ídolo anterior ao Pelé (como é demonstrado numa cena), Heleno experimentou o turbilhão da fama que não raro arrebata astros fulgurantes (sejam eles esportivos, ou de qualquer outra modalidade): Junto do sucesso vieram mulheres, bebidas, festas e superexposição; e nessa esteira, os excessos que levaram aos vícios (são sucessivas as cenas em que o vemos fumando –às vezes até mais de um cigarro de uma vez só! –e inalando éter), e desses vícios à derrocada da vida pessoal e profissional.
Essa trajetória, pavimentada com paixão pelo diretor José Henrique Fonseca, primeiro justapõe a personalidade impulsiva de Heleno às mulheres que marcaram sua vida –que, no filme, se resumem à esposa e mãe de seu único filho Silvia (Alinne Moraes) e à cantora argentina Diamantina (Angie Cepeda, de “Pantaleão e As Visitadoras”) –em cujo pendor, entre uma e outra, percebemos sua bipolaridade e sua intolerância para com relacionamentos estáveis. Depois, a narrativa se instala gradualmente no âmbito futebolístico, mostrando o status inédito de astro que Heleno obteve no meio (foi, por exemplo, o primeiro jogador de futebol a conceber uma entrevista em uma estação de rádio); sua irredutível arrogância para com seus pares (colegas de time que Heleno sabia serem inferiores a ele como atletas, e com os quais não tinha qualquer tato); e sua paixão declarada pelo time do Bota-Fogo –que, graças ao seu gênio temperamental, ele foi obrigado a deixar quando foi vendido para o Boca Jr. da Argentina, onde terminou não conseguindo se adaptar.
No retorno ao Brasil, Heleno conseguiu, nesse processo, sabotar seu próprio casamento (sua esposa, já com o filho pequeno terminou casando-se com seu melhor amigo), sua carreira (já visto como um jogador difícil, só conseguiu vaga para jogar no América Futebol Clube quando seu desempenho já não era o mesmo e os excessos já começavam a cobrar seu preço) e sua saúde (ele contraiu sífilis, doença que, durante algum tempo, os médicos lhe recomendaram que tratasse, mas que, na ânsia por realizar o sonho frustrado de jogar na Copa do Mundo, ele negligenciou e terminou por matá-lo anos depois).
Na atuação minimalista e cheia de profissionalismo de Rodrigo Santoro conseguimos enxergar com facilidade o ser humano passional e intempestivo que Heleno foi, sua incapacidade de ceder à descoberta das próprias limitações (seja com a idade, seja com a doença), bem como a forma irrefreável com que ele involuntariamente elaborou a própria derrocada ao realizar cada um de seus caprichos.
É um filme dramaticamente extenuante, visualmente admirável e artisticamente irrepreensível, uma das grandes obras do cinema nacional recente, não fosse uma certa dificuldade em se fazer acessível ao público.
Mas, quer saber? Isso também já seria pedir demais!

Um comentário:

  1. Acho fantástico esse filme, roteiro muito bem desenvolvido.

    Fabricio Gurski

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