O trabalho do diretor Juan Lopez Moctezuma
(produtor de “Fando & Liz”, de Jodorovski) busca pela crueza, pelo exaspero
do expectador. E não havia deveras como evitar tal reação do público uma vez
que ele aborda, na história contada aqui, o tema central do satanismo.
Justamente por esse viés incontornável, Moctezuma acaba por assumir de vez o
extremo de sua premissa, incrementada por cores e impressões muito particulares
oriundas da cultura mexicana à qual seu diretor pertence, e que confere à
“Alucarda” um sabor desigual no panorama do cinema de terror dos anos 1970,
onde atrevimentos temáticos um pouco mais contundentes estavam em pauta.
Na cena inicial do filme temos um parto em
circunstâncias nebulosas, no entanto, o pouco que podemos apreender indica que
a jovem mãe, morta logo depois, tem ligações obscuras com algo de sinistro e
sobrenatural –mal a criança (a quem é dado o nome de Alucarda) nasce e é
entregue a alguém para que seja levada
ao convento para ser criada, entidades macabras e desconhecidas espreitam da
escuridão. Da mãe de Alucarda, nada mais sabemos, exceto que ela morreu; seus
restos mortais aparecem, sem ganharem maior importância, numa cena mais a
frente.
Da filha, o filme de Moctezuma se incumbe de
acompanhar por todo o restante de sua duração fazendo dela a protagonista:
Quinze anos mais tarde, Alucarda (vivida por Tina Romero, a mesma jovem atriz
que já interpretava a mãe) é mais uma das muitas jovens internas do convento
para o qual foi levada. A nova integrante do local é a bela Justine (Susana
Kamini), que com ela haverá de dividir o quarto. A proximidade as torna amigas
e, com o tempo, cúmplices em seus desvios: Que começa com uma sutil sugestão de
lesbianismo e desemboca na predisposição ao satanismo que Alucarda traz desde o
nascimento.
Aqui há uma vaga referência à obra “Carmilla”
ou às suas variações como “A Noiva Ensanguentada” –nos indícios de envolvimento
lésbico entre as duas mulheres –um gancho que levará não ao vampirismo, mas à
uma espécie de comunhão satânica incitada nas jovens mulheres por um suspeito
corcunda (Claudio Brook) que elas conhecem no campo e que as orienta em suas
ousadias.
Como o filme se passa em 1865, período que
guarda resquícios medievais em sua conduta, os indícios de aliança demoníaca de
Alucarda e Justine se chocam com a intolerância do convento, cujo inquisidor
local, o padre Lázaro (David Silva) logo impõem às duas jovens a brutalidade de
um exorcismo.
Em oposição a isso –e a representar a nova
corrente de pensamento racional que emergia –está o austero Dr. Oszek (também ele
interpretado por Claudio Brook) que consegue salvar Alucarda, mas não consegue
impedir que os flagelos insuportáveis do ritual terminem matando Justine.
Contudo, não é em favor dos oprimidos pela
intolerância cristã que caminha a narrativa. Na verdade, não é em favor de
coisa alguma, exceto, o objetivo básico de um expediente de terror: Refugiada
na casa do Dr. Oszek, junto da inocente filha cega dele, Alucarda continuará a
promover suas atrocidades e a disceminar a maldade sobrenatural que a cerca
conduzindo a tudo e a todos para um clímax caótico, luxuriante e barulhento (as
atrizes, na expressão exorbitante de seu pavor, não se furtam de gritar à
plenos pulmões!).
Nessa ciranda de insanidade e profanação
deliberada, o diretor Moctezuma vale-se de uma série de códigos de transgressão
para atingir a sensibilidade do público, sobretudo, nos códigos de ordem
visual, como a nudez constante principalmente das atrizes em cena –no entanto,
Moctezuma tem consciência do tema delicado que aborda e deixa que sua cautela
também transpareça: As freiras do convento não são caracterizadas como freiras
em seus figurinos típicos, usando em vez disso, vestimentas que simulam os
aspectos usuais do hábito, mas que não o são de fato –Moctezuma desvencilha-se
assim de um efeito mais chocante e controverso do que normalmente teria se
vestisse suas atrizes como freiras reais, polêmica da qual não se desviou Ken
Russell, por exemplo, em seu terrivelmente perturbador “Os Demônios”.
Ainda assim, uma obra
pulsante e cheia de uma pragmática originalidade.
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