Um novo filme. Uma nova troca de diretor.
Todavia, este “A Ordem da Fênix” recebeu aquele que viria a ser o diretor fixo
e definitivo da série até seu desfecho: O inglês David Yates, ironicamente
reconhecido por trabalhos austeros, realistas e politizados feitos para a TV,
como o filme “The Girl In The Café” e a minissérie (mais tarde convertida em
filme) “Intrigas de Estado”.
Apesar de nada em sua filmografia pregressa
sinalizar isso, Yates mostrou um fascínio inesgotável pelo material, um
manuseio prodigioso dos elementos que configuravam a fantasia (como os
onipresentes efeitos visuais), e um fôlego louvável que –ao contrário de Chris
Columbus, cujo cansaço já se expressava no segundo filme –o levou a ostentar a
mesma empolgação, o mesmo zelo para com o ritmo e a caracterização, e o mesmo
patamar considerável de qualidade que ele conseguiu manter daqui até o último
filme; totalizando quatro longa-metragens sob sua assinatura.
O começo de “A Ordem da Fênix” é brilhante e
essencialmente cinematográfico –fruto, na opinião de muitos, do fato de ser o
primeiro livro da saga escrito depois que ela já havia começado a ser adaptada
para cinema. Nele, Harry surge num parquinho suburbano, contemplando memórias
já distantes de infância e outras memórias, não tão distantes, mas terríveis,
de quando testemunhou a morte de Cedrico no filme anterior.
Ao lado de seu primo Duda, agora à beira da
deliquência, Harry é surpreendido pela aparição de dois Dementadores –numa
sequência maravilhosa que deixa explícita a homenagem à “Alien”.
Por conta de usar o feitiço ‘patronum’ para
proteger-se e a seu primo nesse prólogo, Harry corre assim o risco de ser
expulso de Hogwarts –é sumariamente proibido que alunos pratiquem magia fora da
escola.
Segue-se, logo depois, uma cena no até então
muito falado, mas pouco mostrado, Ministério da Magia. Lá, o Ministro da Magia
em pessoa, Cornélio Fudge (Robert Hardy), se revela hostil à Harry Potter e
avesso à alegação dele e de Dumblodore de que Lorde Voldemort finalmente
retornou.
E aí estão, pois, as características
politizadas que justificam a escolha de David Yates como diretor –e que só se
intensificarão daqui para frente –há todo um conflito de interesses ideológicos
a incrementar as considerações acerca do conflito básico do bem contra o mal;
para o Ministro Fudge, refutar a volta de Voldemort significa mais opor-se a
Dumblodore como seu adversário político do que reconhecer o regresso do mal –e
nessa teimosia, ele abre amplo espaço para a paranóia que, neste filme,
contamina todo o mundo bruxo.
Isso, claro, se reflete na Escola de Magia e
Bruxaria de Hogwarts: A nova professora de Defesa Contra a Arte das Trevas, a
insidiosa Dolores Humbridge (Imelda Stanton, compondo com primor a grande vilã
do filme), é uma ferrenha apoiadora das facetas mais rígidas e autoritárias do
governo de Fudge, e com essa postura, ela aproveita-se da ausência eventual de
Dumblodore para dominar gradualmente toda a escola: Começa impondo a regra de
que alunos não devem praticar magia –apenas inteirar-se da teoria –fazendo-os
indefesos e deixando a capacidade para se defender reservada às forças do
ministério; logo, ela se vale da proximidade com o ministro para colocar-se no
direito de vetar aulas que julga desnecessárias (como as de clarividência);
impõe normas de conduta abusivas e, com o tempo, táticas de punição ainda mais
intoleráveis, chegando a arregimentar os alunos mais suscetíveis e corruptíveis
(como Draco Malfoy) para a chamada Ordem Inquisitória destinada a policiar e
denunciar as menores contravenções.
É natural que, em um ambiente assim tão
repressivo, os esforços revolucionários acabem insurgindo: Dispostos a garantir
um conhecimento contra as forças das trevas que se ensaiam no horizonte, Harry,
Rony, Hermione e seus outros amigos –como Gina (Bonnie Wright), Chang (Katie
Leung) ou Luna Lovegood (a sensacional Evanna Lynch) –resolvem integrar um
grupo que reedita a Ordem da Fênix –outrora formada por seus pais, Sirius Black
e outros quando jovens –e criam assim a Armada Dumblodore, para treinar às
escondidas feitiços de proteção.
É impressionante perceber,
por meio dessa premissa e do modo com que ela é tratada, o quanto a saga “Harry
Potter” evoluiu: De aventuras infanto-juvenis investigativas, a série passou
para uma contundente e eficiente alegoria sobre os excessos perniciosos do
poder e da autocracia, mais próximo dos formidáveis “V de Vingança” e “1984 de Orwell” que de “Scooby-Doo”. Essa impressão é reforçada pelo evidente e notável
amadurecimento do elenco, sobretudo, os protagonistas, Daniel Radcliffe, Rupert
Grint e Emma Watson que cresceram literalmente em frente às câmeras.
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