quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Um Convidado Bem Trapalhão

Realizado em 1968, no consideravelmente longo hiato de tempo entre o segundo filme da série “A Pantera Cor-de-Rosa” (“Um Tiro No Escuro”, de 1964) e o terceiro (“O Retorno da Pantera Cor-de-Rosa”, de 1975), “Um Convidado Bem Trapalhão” reuniu novamente o astro Peter Sellers e o diretor Blake Edwards.
Sellers interpreta (com todo seu arsenal infalível de trejeitos hilariantes) o ator indiano Hrundi Bakshi, que consegue, com poucas horas de trabalho, arruinar todo um filme em produção graças às suas trapalhadas –a cena sensacional que abre o filme é uma referência a um momento clássico de “Gunga Din”.
Apontado para ser reconhecido como persona non grata entre os estúdios, o nome do desastrado ator vai, sem querer, parar numa lista de convidados para uma festa a ser celebrada justamente na mansão do dono do estúdio.
E é inteiramente lá que o filme de Edwards irá se passar.
Engana-se, porém, aqueles que imaginam que isso o torne um filme chato ou cansativo. Pelo contrário, especialistas no assunto, a comédia física que Edwards e Sellers constroem é implacável e inescapável (não há como não rir das situações que, a partir de um determinado momento, se sucedem uma a uma!): A própria mansão, cheia de vidraças, piscinas e de uma geografia propícia à gafe se torna um prato cheio para as ingênuas patetices de seu desastrado protagonista.
Gentil e tranquilo, Hrundi ganha a simpatia dos convidados da festa ao aparentar um sossego que não entrega o caos que, sem querer, ele consegue produzir ao seu redor graças às suas trapalhadas –e ele conta com um ou outro coadjuvante característico de um humor cáustico que, vez ou outra, Blake Edwards introduz em sua obra, como o garçom displicente que toma todos os drinques que são por ventura recusados; e se embebeda no processo!
Edwards oculta muito de suas audácias artísticas por trás dessa comédia tão inofensiva em sua aparência e em sua evocação da graça transparente das realizações do cinema mudo: Esta foi a primeira realização cinematográfica a contar com uma câmera de televisão a registrar a rotina dos bastidores posicionada logo acima da câmera de cinema –o quê se habituou chamar ‘making-off’ –inicialmente pensada para que o diretor Edwards tivesse pleno acesso às filmagens, além disso, sendo uma produção realizada nos anos 1960, lá estão as sutis observações de comportamento, as intervenções da contracultura hippie na vida comum (como o filhote de elefante pintado que acaba bagunçando toda a festa) e as manifestações políticas acerca do estado das coisas de então na forma de breves e veladas menções.
Há no filme um palpável senso de improviso, fruto da predisposição declarada do ator e do diretor, em se ater menos ao roteiro (esboçado de forma básica) e mais aos incidentes e ideias que iam surgindo em cena –tal e qual a mais famosa sequência do filme, onde Hrundi tem uma hilária gafe dentro do banheiro envolvendo o rolo de papel higiênico (!).
À sua maneira, “Um Convidado Bem Trapalhão” já antecipava as impressões algo corrosivas que Blake Edwards possuía em relação ao sistema de produção dos estúdios de Hollywood –impressões essas que ele escancarou, com resultados discutíveis, em “S.O.B.”, de 1981 –e isso se nota em detalhes gerais como o tom desdenhoso por meio do qual seu humor acaba com a festa dos membros do show business; até mesmo a presença de Peter Sellers como o distraidamente catastrófico protagonista pode ser vista como um comentário: Afinal, Edwards passou poucas e boas nas mãos de Sellers e seu estrelismo ao longo da série “A Pantera Cor-de-Rosa”.

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