François Truffaut teve a ideia para realizar “A
Mulher do Lado” quando viu, durante a apresentação de um prêmio, a imensa
química que partilhavam sua esposa a atriz Fanny Ardant e o astro francês
Gerard Depardieu.
Com efeito, o cinema de Truffaut é tão mais
funcional e eficaz quando ele gira em torno do fascínio por uma mulher –assim
foi com Jeanne Moreau em “Jules e Jim” e com Jacqueline Bisset em “A Noite Americana”; assim é aqui.
O prólogo narrado com minimalismo literário por
Véronique Silver, intérprete da Sra. Odile Jouve, já anuncia a tragédia
vindoura. O filme retrocede assim, em forma de flashback para mostrar a rotina
de Bernard (Gerard Depardieu) e sua esposa Arlette (Michele Baumgartner), com
seu filho pequeno Thomas, que é ligeiramente transformada com a chegada do
casal Philippe (Henri Garcin) e Mathilde (Fanny Ardant) para morar na casa ao
lado da sua.
Embora ambos escondam de seus cônjuges (e
durante algum tempo até do expectador) vai ficando claro aos poucos que
Mathilde e Bernard já haviam se conhecido antes.
Eles foram amantes.
E, durante a juventude, experimentaram um
romance tão intenso e arrebatador que quase os consumiu. Embora tenham passado
anos sem se verem, a mera presença um do outro deixa Bernard e Mathilde abalados.
Inicialmente, Bernard faz o possível para
evitá-la. Um encontro casual num supermercado, entretanto, reacende seu desejo.
Eles passam a se encontrar no quarto 18 de um hotel. Contudo, sua relação nunca
foi harmoniosa, nem destinada a terminar com calmaria.
Amparado nas referências mais clássicas dos
amores avassaladores à sua disposição, Truffaut, à sua maneira passional e
transparente, dá corpo, voz e identidade às dores de amor de seus
protagonistas, plenamente consciente de que seu filme e os propósitos que o
cercam estão a serviço de seu casal central. E, de fato, a belíssima Ardant e o
sempre magistral Depardieu se encontram em estado de graça; compondo
personagens corriqueiros em sua absoluta serenidade, mas agregando a eles
camadas de complexidade e neuroses imprevistas a medida que o roteiro investiga
seus tormentos íntimos.
É uma união quase milagrosa de duas facetas
extremas e caras ao cinema de Truffaut: De um lado, a delicadeza de olhar para
o cotidiano, para as janelas ao lado das nossas, e ali enxergar matéria para o
cinema mais puro, herança que Truffaut carregou da novelle vague francesa e
manipulou e transfigurou até dar a ela sua própria personalidade; de outro, o
amor em suas imbricações mais minuciosas, na angústia que transforma as tardes
que não passam numa eternidade, no constrangimento que nos leva a espreitar
outrem qual um espião, nos subterfúgios que criamos para enganar a nós mesmos.
“A Mulher do Lado” é, pois, uma versão amena e
singela das obras rasgadas e comiserativas do romantismo literário: Ele tem dor
e desassossego, tudo isso acompanhando a relação de um amor que não se acomoda
na monotonia, mas tem também sutileza e cuidado ao apresentar essa premissa
numa síntese familiar e confortável para a qual o expectador se abre deixando-se
afetar por suas emoções.
E isso é a essência do
cinema de Truffaut.
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