segunda-feira, 16 de março de 2020

Ad Astra - Rumo Às Estrelas

Personagens no limiar de suas aspirações, num constante conflito entre o que sentem ser e o que o mundo à sua volta espera que sejam, num vão esforço para encontrar a si próprios. Este parece ser o mote de todos os trabalhos capitaneados pelo diretor James Gray, um raro esteta e autor a fincar uma obra de personalidade irrestritamente intimista no cinema cada vez dominado por pirotecnia dos dias atuais.
No processo de rever sua filosofia, o filme de Gray se deixa assombrar por uma infinidade de clássicos da ficção científica que o precederam. Num trabalho que muito remete à sua composição introspectiva de “Árvore da Vida”, Brad Pitt vive Roy McBride, astronauta enviado às estrelas por uma razão um tanto quanto pessoal: Décadas atrás, seu pai, Clifford (Tommy Lee Jones), também ele astronauta, foi enviado ao espaço no sigiloso Projeto Lima e, após seu paradeiro em Saturno, nunca mais voltou.
Entretanto, descargas de antimatéria originadas exatamente de Saturno –e que ameaçam de forma contundente a vida na Terra –começam a vir de onde supõem-se o Projeto Lima se perdeu. As autoridades confiam na ligação afetiva de Roy com seu pai para que ele lhe envie uma mensagem. Assim, da Terra, ele precisa ir à Lua –uma colônia povoada de diversas nacionalidades, sujeita até mesmo a atos de pirataria –e de lá para Marte, último posto avançado humano no espaço, de onde sua mensagem pode ser enviada.
Durante a lenta e atenta jornada de seu protagonista não escapa ao diretor as nuances humanas,  intelectuais e políticas que o gênero de ficção científica tão bem soube trabalhar em seus exemplares mais formidáveis (sendo “2001” e “Solaris” as referências primordiais de James Gray, além do evidente aparato técnico e visual tirado das experimentações de Cuarón em “Gravidade”), contudo, “Ad Astra” é, em seu cerne, a tentativa de resgate e de compreensão de uma problemática relação de pai e filho.
Nesse sentido, no suspense algo existencial do encontro do protagonista com a assombração de sua figura paterna, onde se pavimenta com elaborada dramaturgia todo o caminho percorrido até  tal encontro, o filme faz lembrar uma espécie de “Apocalypse Now” no espaço, inclusive com a narração de Brad Pitt se parecendo muitas vezes com os devaneios em off de Martin Sheen na sua tensa expectativa em ver-se frente a frente com o Coronel Kurtz.
O reencontro com o pai é, para Roy, a senha para rever e reavaliar todas as suas frustradas tentativas de relacionamento humano, esboçadas na totalidade de sua inadequação na relação tortuosa com a esposa (Liv Tyler), e um meio de enfim deixar de lado um luto que sempre o acompanhou na vida adulta e que, em última instância, o define –e a presença de Tommy Lee Jones nesse personagem tão falado, mas do qual temos poucos vislumbres de fato, permite à produção executar uma manobra curiosa: O tempo todo são mostradas fotos de Jones bem mais jovem usando trajes espaciais. Essas fotos são, na realidade, extraídas do filme “Os Cowboys do Espaço”, dirigido nos anos 1990 por Clint Eastwood –no elenco daquele filme, e novamente neste daqui, também está outro veterano, o ótimo Donald Sutherland.
Como toda ficção científica adulta e levada a sério que se presta –um artigo raríssimo no cinema mainstream de hoje –o filme de James Gray se lança em discussões metafísicas que passeiam pela solidão existencial da raça humana num universo vasto e silencioso às suas dúvidas, pela loucura que pode acometer o indivíduo diante de fatores tão gigantes ante sua insignificância, e pela relação que tudo isso parece ter, no final das contas, com nós mesmos, nossa própria índole, e com o modo como nos relacionamos uns com os outros.
Na improvável escolha de um conto denso e filosófico de ficção científica no lugar dos dramas urbanos e comiserativos que fez até então, James Gray perpetra um pequeno e notável paradoxo: Um olhar para cima, em direção às estrelas, que termina voltando sua conclusão para nossa própria aflição interior. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário