segunda-feira, 2 de março de 2020

Estão Todos Bem

Se há um hábito lamentável entre os expectadores norte-americanos –herdado, inclusive, pelas novas gerações de expectadores brasileiros –é a preguiça de assistir filmes legendados: Essa tem sido a principal justificativa dos estúdios hollywoodianos para fazerem refilmagens absolutamente desnecessárias de grandes obras estrangeiras.
Aqui, a bola da vez é o belíssimo drama familiar italiano “Estamos Todos Bem” que Giuseppe Tornatore concebeu, no início dos anos 1990, com toda sua habilidade singular para evidenciar, sem pieguice ou exagero, as alegrias e tristezas inerentes às relações –e de quebra ainda trazia um trabalho arrebatador à frente das câmeras de Marcello Mastroianni.
O escolhido para tal tarefa é o diretor e roteirista inglês Kirk Jones que fez a comédia “A Fortuna de Ned” e o infantil “Nanny McPhee”, e depois ainda faria “O Que Esperar Quando Você Está Esperando” e “Casamento Grego 2” –o tipo de diretor, como se pode ver, que produtores adoram: De estilo ameno, suave a ponto de ser sonolento, sem atrevimentos autorais e especialista em produções descontraídas e inofensivas.
E “Estão Todos Bem” é tão inofensivo que chega quase a ser nulo.
Se o filme italiano tinha Mastroianni, o norte-americano tem Robert De Niro.
Ele interpreta Frank Goode, viúvo recente cuja única ocupação real que agora preenche seus dias de aposentado é a expectativa pela chegada dos quatro filhos adultos (no original eram cinco), todos moradores de outras cidades.
Entretanto, os rebentos não vêem o visitar e, aborrecido com esse distanciamento da família –fato que sua esposa em vida nunca permitiu que se concretizasse –ele decide fazer uma série de visitas-surpresa, viajando até as moradias de um por um.
O primeiro é o artista David, de quem ele não vê nem a cor: Sumiu do apartamento onde morava em Nova York e ninguém sabe dele –e, por meio de diálogos paralelos entre os filhos, notamos que algo não acabou bem!
Em seguida, Frank vai para Chicago visitar Amy (Kate Beckinsale) que trabalha numa agência de publicidade, mora numa bela casa, tem um marido exemplar e um filho modelo.
Ou não –não passam despercebidos de Frank, indícios de que a vida perfeita que Amy deseja exibir a ele pode ser uma fachada com a qual esconde os próprios fracassos aos olhos do pai.
O mesmo se repetirá com os outros filhos: Robert (Sam Rockwell), que mora em Denver, não é o maestro de orquestra que afirmava, mas apenas um mero percussionista; e Rosie (Drew Barrymore), moradora de Las Vegas, diz ter um belo apartamento (é emprestado de um amigo) e uma vida feliz, quando na verdade tem um filho que esconde do pai, bem como suas opções sexuais.
O grande problema do filme, enquanto narrativa, é uma certa esquizofrenia crônica em negar e ao mesmo tempo aceitar sua fonte original –o filme maravilhoso de Tornatore. Nem é a comparação ingrata que as nuances sucintas de De Niro sofrem perante a espetacular atuação de Mastroianni, ou o estilo ‘sessão da tarde’ que a inclinação de Kirk Jones ao melodrama provoca em justaposição ao lirismo embriagante de Tornatore: Seu maior problema é desdobrar-se em subterfúgios para afastar-se ao máximo da semelhança com o filme italiano (com alterações pontuais em alguns aspectos da trama, aliadas a um senso mais atenuado, e mais americano, de dramaticidade), e no momento seguinte, incorporar inúmeros esforços para imitá-lo (com diferenças mínimas e pouco convincentes em sequências-chaves que se repetem de modo praticamente igual, e sobretudo, na trilha sonora de Dario Marianelli, que reprisa na cara dura muitos acordes da melodia de Ennio Morricone).
No trabalho de marketing para o lançamento daquele ano (2010) e até mesmo em entrevistas e making-off, tentou-se ocultar de todas as formas que esta era uma refilmagem de um clássico italiano da década de 1990, e é bem provável que tivessem havido muitos expectadores que não tenham ficado sabendo dessa informação de fato, mas o trabalho do operário-padrão Kirk Jones padece de um sentimento de inferioridade tamanho frente à beleza reflexiva da obra original, que mal precisamos assistí-la para compreender a imensa redundância que assombra esta produção do início ao fim.

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