Houve uma certa surpresa quando esta agradável
animação venceu o Globo de Ouro 2020 tendo por competidores obras bem
superiores como “Toy Story 4”, “Frozen 2” e “O Rei Leão”. Esse gesto jogou luz
sobre uma obra simpática embora também lhe tenha aumentado injustamente suas
expectativas perante o público e aguçado ainda mais o olhar da crítica que
apontou problemas como o fato de ser a terceira animação a abordar o mito do
Sasquatch em cerca de um ano (as outras foram “Abominável” e “Pé Pequeno”), e o
visual mais pueril e pouco elaborado para uma animação vencedora de prêmios.
Realizado em stop-motion –conhecido como ‘o
filme de massinhas’ –“Link Perdido” é, ao lado de “A Fuga das Galinhas”, o
cultuado “O Estranho Mundo de Jack” e outros, uma tentativa de aprimorar uma
técnica artesanal de animação e trazê-la para o mundo tecnológico de hoje.
Não é a toa então que, por todos os seus
ângulos e percepções, podemos observar nesta realização do diretor Chris Butler
a união entre o classicismo e o arrojo, bem como a quebra das antigas e
engessadas convenções.
O herói da história é um aventureiro e
explorador inglês –daqueles que se encaixariam com perfeição numa narrativa do
escritor Jules Verne –chamado Lionel Frost (voz de Hugh Jackman) que tem por
hábito viajar o mundo, em plena Era Vitoriana, para colher provas da existência
de criaturas monstruosas e lendárias: A cena que abre a animação, envolvendo o
Monstro do Lago Ness, já estabelece o tom divertidamente descontraído que a
aventura terá.
Na sua próxima empreitada, uma aposta que
desafia a arrogância do Lorde Dunceby (voz de Stephen Fry), o providencial
vilão da trama, Frost pretende ir até as fronteiras do Canadá, seguir os
indícios de uma misteriosa carta enviada por algum morador de lá, a fim de provar
a existência do monstro conhecido como Pé Grande.
Entretanto, para a surpresa de Frost, a
criatura, que ele encontra com surpreendente facilidade e rapidez, não se
mostra como o esperado: Chamado Link (em referência ao ‘elo perdido’, lugar que
supostamente sua desconhecida espécie ocuparia na escala evolutiva do homem), e
dublado com a voz cômica e nada gutural de Zack Galifianakis, a criatura é
articulada, inteligente e polida (!). Sua intenção é –veja só! –pedir ajuda à
Frost, de quem ele ouviu falar lendo os jornais trazidos por viajantes (!), e
tentar encontrar outros membros de sua ‘família’ a fim de aplacar sua enorme
solidão. Membros estes que Link acredita serem os Yetis, do Nebal, conhecidos
por sua vez como os Abomináveis Homens das Neves.
Inicialmente relutante –mas, certamente,
construindo com Link uma bela amizade ao longo de tal jornada –Frost resolve
ajudá-lo, empreendendo a viagem até as montanhas nevadas do Nepal, ganhando a
companhia de Adelina (voz de Zoe Saldana), outrora esposa de um grande colega
aventureiro de Frost no passado, agora falecido, e tendo em seu encalço os
comparsas de Dunceby instruídos para impedi-lo de concluir sua missão.
Em maior e menor grau, todos os personagens
representam uma inadequação aos rótulos que os definem: Se Frost, o aristocrata
inicialmente presunçoso que se mostra boa gente, é o menos aprofundado deles,
Link, o monstro de bom coração e boa educação, e Adelina, a providencial
donzela em perigo desejosa de romper todas as suas amarras com o sexo masculino
e viver sua própria aventura, são notáveis em seu inconformismo.
Trabalhando com perspicácia
e criatividade a técnica antiquada que abraça, a própria animação esboça também
uma espécie de quebra de padrões: Deliberadamente traça uma narrativa calcada em
visuais que primam por se afastarem de pretensões realistas, mas agrega
elementos e trucagens digitais de última geração na construção de seu escopo
que, a medida que os protagonistas se aproximam da paradisíaca Shangri-lá, na
parte final, vai ganhando cada vez mais intervenções da modernidade.
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