quarta-feira, 11 de março de 2020

Toque de Recolher

Hoje em dia seria inconcebível ver atores consagrados e reconhecidos como Tom Cruise e Sean Penn serem coadjuvantes do pouco lembrado Timothy Hutton (ganhador do Oscar por “Gente Como A Gente”), porém, em projetos de início de carreira, tais curiosidades se sucedem, e “Toque de Recolher”, a exemplo de diversos filmes daquele período com elencos numerosos de novos talentos emergentes reunia um time de jovens atores que incluía também Giancarlo Esposito (de “Maze Runner”) e Evan Handler (da série “Californication”).
Na Escola Militar Bunker Hill, onde são formados cadetes ingressos na carreira militar desde muito cedo –alguns com pouco mais de 12 anos de idade –o jovem Brian Moreland (Timothy Hutton) é nomeado com honras cadete major, faltando um ano para formar-se e prestar testes para a tão sonhada West Point. Motivo de orgulho para seu mentor, o General Harlan Bache (George C. Scott) e de admiração para seus colegas, entre eles seu melhor amigo, o cadete capitão Alex Dwyer (Sean Penn).
Contudo, rumos dramáticos e inesperados mudam as coisas.
A Academia é vendida pelo governo e seu iminente fechamento anunciado para dali um ano –quando seu terreno cercado de longa tradição servirá para as dependências de um condomínio –termina por deixar seus estudantes perplexos.
Cuidadosamente, o filme dirigido por Harold Becker (de “Vítimas de Uma Paixão”) manipula os elementos com calma acirrando lentamente suas circunstâncias: Além da situação a um só tempo injusta e improvável, os jovens (sobretudo, Moreland) têm de lidar com a perda abrupta de sua figura principal de autoridade; o General Bache acaba acusado de atirar num civil durante um incidente ocorrido entre os cadetes e um grupos de jovens provocadores. Ele é levado sob custódia e, pouco depois, internado com problemas cardíacos.
Sem adultos para lhes instruir com algum bom senso prático, os jovens precisam tomar suas próprias decisões e, diante da arrogância de burocratas dispostos a acelerar ainda mais o processo já acelerado de fechamento da escola, o cadete major Moreland toma uma decisão radical; ele confisca os armamentos e coloca os rapazes de prontidão.
A escola está, portanto, de portas fechadas para todo o mundo lá fora.
Suas exigências: Rever todo o procedimento legal que levará ao fechamento da escola.
Entretanto, esses apelos sequer são ouvidos pelas autoridades externas –tudo o que eles enxergam é um grupo de jovens rebelados usando de seu treinamento militar para viabilizar uma atitude que enxergam como terrorista.
Curiosamente, o próprio filme que protagonizam não se furta de enfatizar uma certa reprimenda: O perfil dos realizadores hollywoodianos de hoje e de sempre, como se sabe, é majoritariamente anti-militarista, e é assim que se posiciona o filme de Becker. Embora o diretor ostente aquela paciência para construir a premissa e as motivações de seus personagens que diretores atuais não têm, ele vai aos poucos revelando sua inclinação, na forma de personagens de discursos ora inquisitivos (o personagem de Sean Penn vai adquirindo uma conduta e uma verve cada vez mais democrata), ora paternalistas (o personagem de Ronny Cox, de “Amargo Pesadelo”, presunçosamente sereno), terminando por não esconder uma faceta bastante tendenciosa: A circunstância tão bem construída ao longo do filme –e que gera momentos de notável suspense –só se perde na conclusão quase redundante na qual aqueles que não cedem em suas convicções surgem como truculentos e obcecados; e nesse sentido, o personagem de Tom Cruise chama mais a atenção que os demais por um trabalho bastante competente do ator.
Adaptado do livro “Father Sky”, de Devery Freeman, o bom filme de Harold Becker se sobressai por um clima fascinante de tensão que consegue manter e aprimorar do início ao fim, mas se prejudica por uma postura de negligência aos próprios valores com uma conclusão que banaliza a iniciativa de seus protagonistas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário