terça-feira, 12 de maio de 2020

O Voo das Cegonhas

O formato televisivo permite que muitos livros sejam transpostos para a versão live-action com muito maior fidelidade e detalhamento em relação ao material-fonte, justamente porque possibilita a manutenção dos detalhes mais minuciosos de certas tramas que padecem ao serem encapsuladas numa metragem de apenas duas ou três horas de duração –casos como “O Código Da Vinci” ilustram essa dinâmica entre os resultados díspares de livro e filme.
Certamente, a minissérie européia “O Voo das Cegonhas”, dirigida por Jan Kounen, se beneficia desse detalhe; ao adaptar o best-seller de Jean Christopher Grangé –além de garantir similaridade narrativa com o livro tendo-o o autor também como co-roteirista –e preservar a trama rocambolesca e nebulosa em todas as suas complexidades intuitivas, e seus tortuosos desdobramentos, a obra de Kounen precisa abrir mão muito pouco dos detalhes que configuram sua extensa duração, justamente por não arcar com a obrigação de encaixar toda trama em apenas duas horas.
Inicialmente, a jornada do jovem, e na maior parte das vezes desorientado, Jonathan Anselme (Harry Treadaway, de “Ataque Ao Prédio”) parece que será um mero suspense em torno da identidade do autor do assassinato que inicia o filme –ou a minissérie, como queira.
Jonathan chega à residência, isolada no campo, onde mora e trabalha um velho amigo de sua família, o Dr. Max Bohm (Danny Keogh). Contudo, o pesquisador de encontra morto num dos ninhos de cegonhas que ele usa para sua pesquisa (!).
A polícia dá a informação de que ele foi acometido de um ataque cardíaco, mas o detetive Hervé Dumaz (Clemens Schick, de “Cassino Royale”) acredita que há mais por trás disso. E, para tanto, ele mantém uma relação de proximidade, desconfiança e tolerância oscilante com Jonathan,
Este, por sua vez, ainda perplexo pelo choque –expressão atarantada que o ator Harry Treadaway irá carregar do início ao fim! –decide dar continuidade ao projeto que estava organizando junto com o falecido pesquisador: O de registrar, na prática, a trajetória aérea das cegonhas que migram pela Europa até a Àfrica do Sul e captar dados relevantes no processo, como as razões misteriosas pelas quais muitos espécimes desaparecem sem chegar no local determinado.
De moto, Jonathan faz sua primeira parada em Estocolmo, sem saber que é seguido por ameaçadores bandidos que não hesitarão em matá-lo quando julgarem adequado. Após passar alguns apuros nas mãos de seu contato local (o que inclui uma noite de bebedeira e um inesperado assassinato!), Jonathan –assim como as cegonhas –segue para Israel, onde descobre que seu contato de lá, também ele, acabou morrendo.
Jonathan se envolve com a bela irmã do falecido, Sarah (a sensacional Perdita Weeks, de “Jogador Nº 1”), antes de sofrer, ele próprio, uma tentativa de assassinato (!) –e nesse estágio, já fica claro ao protagonista e ao expectador, que coisas muito errados cercam as circunstância da pesquisa envolvendo as cegonhas.
Seguindo para sua última parada, o Congo, na África do Sul, Jonathan vai descobrindo que os esquemas nem tão lícitos assim do Dr. Max Bohm em relação à migração das cegonhas pode estar diretamente relacionados com um acidente sofrido por sua família quando era criança, e que pode haver nisso muito mais surpresas do que poderia imaginar, envolvendo tráfico de diamantes, hipnose, drogas injetáveis e um personagem-chave, interpretado pelo saudoso Rutger Hauer, dando o privilégio de sua aparição no trecho final.
Não tão magistral e brilhante quanto poderia ter sido, “O Voo das Cegonhas” tem uma direção claudicante de Jan Kounen, ora sabendo envolver com seu ritmo sem quedas e com as guinadas sempre atrativas de sua história de suspense, ora perdendo a mão em diversas ocasiões, atropelando a lógica, distorcendo motivações de personagens no meio do caminho e revelando em diversas cenas uma fraqueza cabal para a condução de seus atores.
São quase três horas de divertimento, com um ou outro momento estapafúrdio e implausível pelo meio.

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