quarta-feira, 13 de maio de 2020

A Sentinela dos Malditos

Quando foi lançado em 1973, “O Exorcista” transformou a forma com que o público e a indústria enxergava o gênero de terror: De repente, as apostas haviam se elevado e a audiência se deixava capturar por um sentimento de medo genuíno que muitas obras realizadas antes não chegavam nem perto de evocar.
Assim, o diretor Michael Winner, que três anos antes entregou “Desejo de Matar”, sempre avesso à sutilezas, quando concedeu este trabalho de terror, buscou abraçar por completo as influências da obra-prima de William Friedkin, num mergulho obscuro por conspirações de natureza satânica.
A cena que abre “A Sentinela dos Malditos” é num mosteiro antigo, onde vemos sacerdotes das mais diversas religiões e crenças entoando uma mesma prece contra o que parecer ser um inimigo em comum –a primeira das inúmeras sugestões da narrativa acerca de um mal bem mais crível que serviu aos propósitos dos realizadores do terror.
Corta então para Nova York, para a rotina feliz da jovem modelo Alison Parker (Cristina Raines); repare nas cenas de seus ensaios fotográficos onde aparece um ainda iniciante Jeff Goldblum.
Vinda de Baltimore –onde sofreu com o desleixo paterno, revisto numa tortuosa cena de flashback quando ela tem de voltar para lá em ocasião do velório dele –Alison procura por um apartamento onde morar enquanto a situação com seu atual namorado, Michael, não resolveu-se.
Interpretado por Chris Sarandon (de “Um Dia de Cão” e “A Hora do Espanto”), Michael é um advogado e também, na maior parte do tempo, um personagem que engana a plateia: Aparenta ser o protagonista, apesar do caráter frequentemente evasivo –as informações acerca dele (e do caso nebuloso que envolve a sua ex-esposa), fornecidas pela dupla de policiais vividos por Eli Wallach e Christopher Walken, serão de grande importância para a elucidação das ramificações da premissa.
Voltando à Alison: Ela consegue alugar um apartamento num prédio antigo do Brooklyn –obtido numa suspeita negociação onde a corretora imobiliária, Sra. Logan (vivida pela veterana Ava Gardner) foi baixando o preço até que ela aceitasse alugar o imóvel –o filme de Winner é repleto daquelas circunstâncias tão inerentes aos expedientes do terror onde tudo e todos, menos a protagonista, percebem os indícios da encrenca em que está se metendo.
Pois, nos dias e noites que se seguem, Alison vai conhecendo seus vizinhos de apartamento, todos com maior ou menor grau de certa esquisitice; os que mais se destacam são o afeminado Charles Chazen (Burgess Meredith, de “Rocky-Um Lutador”), o casal de lésbicas Gerde (Sylvia Miles, de “Perdidos Na Noite”) e Sandra (Beverly D’Angelo, dona de uma ousada cena de masturbação!), e a velha senhora Anna Clark (Kate Harrington).
Ah, sim, existe mais um vizinho: O misterioso morador do último andar, um padre cego e recluso (o veterano John Carradine, de “Vinhas da Ira”) cuja silhueta perturbadora vemos o filme todo de longe.
Após interagir com quase todos esses vizinhos, indispor-se com uns e simpatizar com outros, Alison começa a sentir-se irrequieta e assediada com tantas presenças.
É quando vem a bomba: Ao queixar-se para a Sra. Logan de tais vizinhos, Alison recebe a informação de que somente ela e o estranho padre de fato moram naquele prédio, todos os outros apartamentos estão desabitados!
Crente que está naufragando em uma espécie de loucura (ela já havia tentado o suicídio antes), Alison começa a surtar cada vez mais, perplexa por sua incapacidade de comprovar a veracidade das alucinações, esmagada pelo medo, e acometida por estranhos lapsos de inconsciência e dores agudas.
É quando Michael ganha –já adentrando a segunda metade de filme –mais estatura junto à narrativa e inicia investigações que têm por objetivo unir as pontas soltas da trama.
Não que o trabalho de Michael Winner seja especialmente brilhante nesse sentido –embora o enredo tenha considerável originalidade, a condução acaba desperdiçando muito da ressonância macabra em sequências destituídas de profundidade, e isso leva suas boas ideias a se dispersarem em meio a vários tempos mortos.
Ao menos, seu clímax é inegavelmente antológico: Quando todas as cartas são postas na mesa, e as motivações e intenções ficam mais claras, o diretor Winner arregaça as mangas e parte para as cenas aterrorizantes de fato, não apenas emulando elementos de “O Exorcista”, mas também do cult-movie “Monstros”, de Todd Browning, e de “O Bebê de Rosemary”, de Roman Polanski (na forma orgânica com que faz uma analogia do ato de alugar um apartamento com um meio de acesso a um mundo de pesadelo).
Esperava-se que “A Sentinela dos Malditos” fosse visto, durante algum tempo, como um sucessor de “O Exorcista” –o que, talvez, explique o formidável elenco que conseguiu reunir (além dos já mencionados surgem em cena Arthur Kennedy, Martin Balsam, José Ferrer e um ainda jovem Tom Berenger), porém, as inclinações do diretor e também roteirista Michael Winner acabaram por alterar ligeiramente as perspectivas dessa obra. E nisso é possível enxergar vantagens e desvantagens.

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