À exemplo de “Contágio”, este é outro filme que
reflete muitas características dos tempos atuais de coronavírus. O diretor
Francis Lawrence –hoje conhecido pelas formidáveis continuações de “Jogos Vorazes” –já havia feito um belo trabalho em “Constantine”, com Keanu Reeves,
mas foi uma realização e tanto conceder (nesta austera refilmagem de “A Última
Esperança da Terra”, com Charlton Heston, de 1971) as imagens um tanto
impressionantes de uma Nova York desabitada, abandonada e já em vias de ser
tomada pela vegetação e pelos animais selvagens.
Nem tanto a narrativa de Lawrence se empolga
com sua trama quanto com o mundo de absurdo apelo visual que compôs para
ambientá-la: Único ser humano a perambular por uma vasta e evacuada Nova York,
o tenente coronel Robert Neville (Will Smith) passa os dias tentando encontrar
uma cura para o vírus que converteu o mundo naquela desolação.
Os dias, é preciso ressaltar –pois às noites, o
resultado ocasionado nos seres humanos pelo contágio de tal vírus dá as caras:
Os humanos praticamente se tornaram espécies de zumbis, irracionais e violentos
que se escondem na escuridão do subsolo. A luz solar lhes infligem queimaduras
quase fatais e por isso eles saem para caçar somente quando o sol se põe. E, por
isso, Neville e sua cachorra Sam precisam estar atentos às horas para sempre
voltar à sua residência, convertida num misto de mansão, fortaleza e
laboratório, antes que as coisas fiquem perigosas.
Ocasionalmente, o filme mostra flashbacks que
mostram os eventos determinantes para a situação de Neville –nos quais podemos
ver o início da evacuação de Manhattan, numa cena à época alardeada como a mais
cara de toda a história do cinema.
À medida que o roteiro avança, entretanto, fica
cada vez mais difícil de disfarçar um certo desprezo da direção em relação aos
tópicos do filme que, de fato, não lhe interessam: A partir do momento em que
Neville ganha novas companhias humanas –a brasileira Alice Braga e o garotinho
Charlie Tahan –o ritmo do filme engata uma marcha notadamente mais desanimada
em contraste com a primeira parte, tão empolgante, fascinante e envolvente,
onde a direção se esbalda com tomadas de cenários como a Times Square, o Central
Park ou a Ponte do Brooklyn mostrados vazios, desertos, destruídos até, tomados
de mato alto e já sem qualquer sinal de atividade humana (você irá se perguntar
inúmeras vezes como foram feitas várias dessas cenas). Essa é, de fato, a
grande proposta da produção (ambientar um futuro alternativo distópico num
cenário plenamente reconhecível por meio ferramentas visuais e ostensivas que
só o cinema hollywoodiano seria capaz de empregar), e ao concentrar-se nela,
não sobram muitos cuidados dirigidos à outras facetas, sobretudo, aos monstros
antagonistas, os infectados.
Embora Francis Lawrence construa um clima
admirável na expectativa pela aparição das criaturas que Neville tanto teme
encontrar, quando elas por fim aparecem, o resultado é decepcionante: Os
mortos-vivos são versões digitalizadas. E, qualquer expectador de filmes de
terror sabe que ao remover o elemento humano de um antagonista, remove-se
também grande parte de sua capacidade para refletir nele o temor genuíno no
público.
Em sua concepção
cinematográfica, existem várias influências diretas e indiretas em “I Am A
Legend” que vão além do filme com Charlton Heston (e do livro de Richard
Matheson que o inspirou): A escalação de Will Smith remete imediatamente o
protagonista de “O Diabo, A Carne e O Mundo”, vivido com brilho por Harry
Belafonte; além disso, a narrativa de Francis Lawrence, na primeira metade do
filme (o trecho da obra na qual se percebe, de fato, a satisfação do diretor)
evoca as mais variadas experiências cinematográficas sobre a solidão –como
“Terra Tranquila” ou “Náufrago” –amparando muito desse conceito na espetacular
presença, tão carismática quanto competente, de Will Smith.
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