quinta-feira, 14 de maio de 2020

Eu Sou A Lenda

À exemplo de “Contágio”, este é outro filme que reflete muitas características dos tempos atuais de coronavírus. O diretor Francis Lawrence –hoje conhecido pelas formidáveis continuações de “Jogos Vorazes” –já havia feito um belo trabalho em “Constantine”, com Keanu Reeves, mas foi uma realização e tanto conceder (nesta austera refilmagem de “A Última Esperança da Terra”, com Charlton Heston, de 1971) as imagens um tanto impressionantes de uma Nova York desabitada, abandonada e já em vias de ser tomada pela vegetação e pelos animais selvagens.
Nem tanto a narrativa de Lawrence se empolga com sua trama quanto com o mundo de absurdo apelo visual que compôs para ambientá-la: Único ser humano a perambular por uma vasta e evacuada Nova York, o tenente coronel Robert Neville (Will Smith) passa os dias tentando encontrar uma cura para o vírus que converteu o mundo naquela desolação.
Os dias, é preciso ressaltar –pois às noites, o resultado ocasionado nos seres humanos pelo contágio de tal vírus dá as caras: Os humanos praticamente se tornaram espécies de zumbis, irracionais e violentos que se escondem na escuridão do subsolo. A luz solar lhes infligem queimaduras quase fatais e por isso eles saem para caçar somente quando o sol se põe. E, por isso, Neville e sua cachorra Sam precisam estar atentos às horas para sempre voltar à sua residência, convertida num misto de mansão, fortaleza e laboratório, antes que as coisas fiquem perigosas.
Ocasionalmente, o filme mostra flashbacks que mostram os eventos determinantes para a situação de Neville –nos quais podemos ver o início da evacuação de Manhattan, numa cena à época alardeada como a mais cara de toda a história do cinema.
À medida que o roteiro avança, entretanto, fica cada vez mais difícil de disfarçar um certo desprezo da direção em relação aos tópicos do filme que, de fato, não lhe interessam: A partir do momento em que Neville ganha novas companhias humanas –a brasileira Alice Braga e o garotinho Charlie Tahan –o ritmo do filme engata uma marcha notadamente mais desanimada em contraste com a primeira parte, tão empolgante, fascinante e envolvente, onde a direção se esbalda com tomadas de cenários como a Times Square, o Central Park ou a Ponte do Brooklyn mostrados vazios, desertos, destruídos até, tomados de mato alto e já sem qualquer sinal de atividade humana (você irá se perguntar inúmeras vezes como foram feitas várias dessas cenas). Essa é, de fato, a grande proposta da produção (ambientar um futuro alternativo distópico num cenário plenamente reconhecível por meio ferramentas visuais e ostensivas que só o cinema hollywoodiano seria capaz de empregar), e ao concentrar-se nela, não sobram muitos cuidados dirigidos à outras facetas, sobretudo, aos monstros antagonistas, os infectados.
Embora Francis Lawrence construa um clima admirável na expectativa pela aparição das criaturas que Neville tanto teme encontrar, quando elas por fim aparecem, o resultado é decepcionante: Os mortos-vivos são versões digitalizadas. E, qualquer expectador de filmes de terror sabe que ao remover o elemento humano de um antagonista, remove-se também grande parte de sua capacidade para refletir nele o temor genuíno no público.
Em sua concepção cinematográfica, existem várias influências diretas e indiretas em “I Am A Legend” que vão além do filme com Charlton Heston (e do livro de Richard Matheson que o inspirou): A escalação de Will Smith remete imediatamente o protagonista de “O Diabo, A Carne e O Mundo”, vivido com brilho por Harry Belafonte; além disso, a narrativa de Francis Lawrence, na primeira metade do filme (o trecho da obra na qual se percebe, de fato, a satisfação do diretor) evoca as mais variadas experiências cinematográficas sobre a solidão –como “Terra Tranquila” ou “Náufrago” –amparando muito desse conceito na espetacular presença, tão carismática quanto competente, de Will Smith.

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