domingo, 21 de junho de 2020

Ariella

Pode-se enxergar, com alguma boa vontade, certo mérito na tentativa do diretor e também ator John Herbert e da co-roteirista Cassandra Rios (autora do livro erótico “A Paranóica” do qual a trama se baseia) em enxertar alguma psicologia na dramaturgia assim esboçada em “Ariella”.
Há, por exemplo, uma preocupação em materializar a angústia adolescente diante da opressão parental adulta, verificar as fissuras da burguesia em suas relações familiares e, sobretudo, refletir a respeito dos impulsos por vezes homossexuais da jovem protagonista interpretada com empenho incomum e introvertida excentricidade por Nicole Puzzi.
A primeira metade do filme –um tanto menos sensual do que todo o resto –ampara-se numa narração em off na qual Ariella relata seu dia-a-dia através de seu diário; oportunidade para inúmeros monólogos que capturam com maior exatidão o tom literário do romance de Cassandra Rios, apesar de uma certa impostação formal.
Entretanto, o trabalho do diretor Herbert (dirigindo seu primeiro longa-metragem), na bipolaridade criativa que o acomete, sempre retorna às mesmas intenções de sempre: Consolidar-se como um hábil filme erótico, por meio do qual não passaria despercebido de crítica e, em especial, de público.
A jovem Ariella passa seus dias dentro da mansão suntuosa da família num ócio que espelha muitos dos protagonistas de Walter Hugo Khouri –e a presença de Nicole Puzzi, atriz de vários filmes do diretor, parece aproximar essa relação –esse marasmo burguês é preenchido por encontros de sexo casual com parceiros alternados.
O tratamento ocasionalmente frio dado por seus pais e irmãos conduz a protagonista a uma certa introspecção, através da qual ela é levada a tentar entender seu passado e, por conta disso, a si própria.
A narrativa de Herbert, numa certa evocação folhetinesca, acaba por levar Ariella às espantosas revelações de seu passado, a medida que ela tem aflorada também sua sexualidade –essa analogia entre a descoberta da verdade acerca de sua trágica história em paralelo à descoberta sexual (sobretudo, em relação à aproximação com a noiva de ser irmão, Mercedes, vivida por Christiane Torloni) é enfatizada pela direção com certo pedantismo, embora ainda seja um elemento bem-vindo, em face de seus esforços de obter profundidade.
Nesse sentido, o trabalho de John Herbert espelha uma fragmentação da sociedade burguesa, uma implosão de seus próprios preceitos decadentes, semelhante ao mostrado por Pier Paolo Passolini em seu “Teorema”: Após descobrir toda a verdade sobre seu passado e de como foi adotada por sua família, Ariella dá início a um desmantelamento dos valores vigentes por meio da sedução. Embora tal elemento se faça notável, a direção não o enfatiza devidamente, certamente diante de fatores que adulteraram os planos originais de seu diretor.
Talvez, essa indecisão da obra não seja tanto um lapso estilístico de John Herbert na condução, mas uma consequência de mudanças impostas à produção: O intercurso lésbico entre Nicole e Christiane Torloni sobre uma mesa de bilhar, em especial, filmado inicialmente para ser insinuante, possui inserções de tomadas explícitas que o aproximam muito de um trabalho pornográfico –e seja pelo escândalo desse detalhe, ou pela importância da própria cena em si, junto da narrativa, ela é aquela que vale todo o filme.

Nenhum comentário:

Postar um comentário