Pode-se enxergar, com alguma boa vontade, certo
mérito na tentativa do diretor e também ator John Herbert e da co-roteirista
Cassandra Rios (autora do livro erótico “A Paranóica” do qual a trama se
baseia) em enxertar alguma psicologia na dramaturgia assim esboçada em
“Ariella”.
Há, por exemplo, uma preocupação em
materializar a angústia adolescente diante da opressão parental adulta,
verificar as fissuras da burguesia em suas relações familiares e, sobretudo,
refletir a respeito dos impulsos por vezes homossexuais da jovem protagonista
interpretada com empenho incomum e introvertida excentricidade por Nicole
Puzzi.
A primeira metade do filme –um tanto menos
sensual do que todo o resto –ampara-se numa narração em off na qual Ariella
relata seu dia-a-dia através de seu diário; oportunidade para inúmeros
monólogos que capturam com maior exatidão o tom literário do romance de
Cassandra Rios, apesar de uma certa impostação formal.
Entretanto, o trabalho do diretor Herbert
(dirigindo seu primeiro longa-metragem), na bipolaridade criativa que o
acomete, sempre retorna às mesmas intenções de sempre: Consolidar-se como um
hábil filme erótico, por meio do qual não passaria despercebido de crítica e,
em especial, de público.
A jovem Ariella passa seus dias dentro da
mansão suntuosa da família num ócio que espelha muitos dos protagonistas de
Walter Hugo Khouri –e a presença de Nicole Puzzi, atriz de vários filmes do
diretor, parece aproximar essa relação –esse marasmo burguês é preenchido por
encontros de sexo casual com parceiros alternados.
O tratamento ocasionalmente frio dado por seus
pais e irmãos conduz a protagonista a uma certa introspecção, através da qual
ela é levada a tentar entender seu passado e, por conta disso, a si própria.
A narrativa de Herbert, numa certa evocação
folhetinesca, acaba por levar Ariella às espantosas revelações de seu passado,
a medida que ela tem aflorada também sua sexualidade –essa analogia entre a
descoberta da verdade acerca de sua trágica história em paralelo à descoberta sexual
(sobretudo, em relação à aproximação com a noiva de ser irmão, Mercedes, vivida
por Christiane Torloni) é enfatizada pela direção com certo pedantismo, embora
ainda seja um elemento bem-vindo, em face de seus esforços de obter
profundidade.
Nesse sentido, o trabalho de John Herbert
espelha uma fragmentação da sociedade burguesa, uma implosão de seus próprios
preceitos decadentes, semelhante ao mostrado por Pier Paolo Passolini em seu
“Teorema”: Após descobrir toda a verdade sobre seu passado e de como foi
adotada por sua família, Ariella dá início a um desmantelamento dos valores
vigentes por meio da sedução. Embora tal elemento se faça notável, a direção
não o enfatiza devidamente, certamente diante de fatores que adulteraram os
planos originais de seu diretor.
Talvez, essa indecisão da
obra não seja tanto um lapso estilístico de John Herbert na condução, mas uma
consequência de mudanças impostas à produção: O intercurso lésbico entre Nicole
e Christiane Torloni sobre uma mesa de bilhar, em especial, filmado
inicialmente para ser insinuante, possui inserções de tomadas explícitas que o
aproximam muito de um trabalho pornográfico –e seja pelo escândalo desse
detalhe, ou pela importância da própria cena em si, junto da narrativa, ela é
aquela que vale todo o filme.
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