As narrativas rebuscadas, imaginativas na
tensão elíptica e propícias às repaginações técnicas e aos exageros do gênero
terror, oriundas da mente do escritor H.P. Lovecraft serviram de fonte a muitos
diretores dos anos 1980 e 90 que buscaram driblar os baixos orçamentos do
cinema B e moldar obras que se mostrassem relevantes no panorama do circuito
comercial.
“O Filhos das Trevas” não vem com pedigree
qualitativo das obras de Roger Corman, não está incluso entre as estripulias de
Charles Band e Bryan Yuzna, perpetradas no mesmo período (início dos anos
1990), mas tem direção de Dan O’Bannon, roteirista de “Alien-O 8º Passageiro”,
“Força Sinistra” e diretor do ótimo “A Volta dos Mortos-Vivos”, o que lhe
garante certa autenticidade entre as obras do gênero.
Num jogo de narrações que já evidencia a
intenção do diretor em manter a fragmentação originária do livro em que se
baseia, “O Caso de Charles Dexter Ward”, o filme começa numa clínica psiquiátrica onde
descobrimos um assassinato brutal seguido de fuga de um dos internos, o
até então misterioso Charles Dexter Ward, vivido por Chris Sarandon, de “A Hora do Espanto”.
Logo, a ação muda para o escritório do detetive
particular John March (John Terry) que dá início a uma narração em off de fatos
pregressos, ao estilo dos romances pulps sobre detetives.
Semanas antes, o indiferente detetive recebeu,
em seu escritório, a bela loira Claire Ward (Jane Sibbett), desesperada por
descobrir as razões do afastamento de seu marido, Charles D. Ward.
A história que ela conta –e que promove um
audacioso flashback dentro do flashback, o primeiro de vários que a trama
rocambolesca terá –mostra a obsessão crescente de Charles por um experimento
iniciado por uma espécie de antepassado dele, um certo Joseph Curwen, cujo
quadro fantasmagórico que enfeita a sala da casa deles, remete totalmente às
feições do próprio Charles.
Cada vez mais mergulhado no trabalho, a ponto
de sequer perceber o cheiro putrefato que emanava de seu laboratório e que
perturbava a todos, Charles muda-se para outro lugar, uma casa antiga de
propriedade de Curwen. E dele, Claire não recebe mais notícias.
A medida que prossegue com suas investigações,
March descobre que realmente muitos indícios duvidosos cercam a casa misteriosa
onde Charles se refugiou: Entregas suspeitas de carregamentos de carne e sangue
que despertam a atenção da polícia; e até a morte nebulosa de um vizinho,
aparentemente vitimado por algum animal selvagem.
De posse de um diário centenário escrito pelo
próprio Curwen, March descobre que a casa serviu outrora de laboratório para o
ancestral de Charles –num outro flashback, ainda mais contundente –enquanto as
pistas se somam apontando para uma prática muito sinistra sendo executada por
lá.
À premissa original engendrada por Lovecraft, o
diretor O’Bannon acrescenta uma adequada aura de filme noir investigativo, e
brinca com os arquétipos de femme fatale, sugerindo inclusive (num breve
momento de delírio) o usual romance entre o detetive e sua cliente em apuros,
algo que, na realidade, não faz parte dos rumos fomentados da trama.
Embora não escape da
definição rasteira e nem um pouco sutil que assolava a maioria das produções
comerciais daquela época, “O Filho das Trevas” tem a salutar qualidade de
entregar aquilo que promete –guardados seus ganchos ocasionais de pistas falsas
em sua estrutura detetivesca –acentuando seu ritmo e sua tensão conforme a
trama vai por fim se revelando e abrindo espaço para os exuberantes efeitos de
maquiagem, verdadeiramente assombrosos e notáveis em suas cenas mais
escabrosas.
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